“ A ficção é uma mentira que encobre uma verdade profunda…”
Mario Vargas Llosa
Quando li no prólogo, escrito em 29 de junho de 1999, do livro Pantaleão e as visitadoras, de Mario Vargas Llosa : “ Descobri que era impossível (contar a história de Pantaleão a sério) , que ela exigia a paródia e a gargalhada. Foi uma experiência libertadora, que nos revelou – só então – as possibilidades da brincadeira e do humor na literatura” , escolhi buscar a referida obra para uma leitura amena, só para me divertir.
Pantaleão e as visitadoras conta a história de Pantaleão Pantoja, um Capitão recém-promovido do exército, que recebe missão inesperada – criar um serviço de prostitutas para as Forças Armadas do Peru, isoladas na selva amazônica ( um fato real) , dentro do mais absoluto sigilo militar. O motivo que levou à criação do serviço é que estupros estavam acontecendo nas cidades próximas aos destacamentos do exército na floresta, e era preciso aplacar o fogo dos soldados, duplamente atacados: pela falta de mulheres e pelo calor e umidade da selva . O Capitão (um homem bastante responsável, disciplinado, eficiente, dedicado e devoto do exército peruano) tem que se mudar para Iquitos, se manter afastado dos demais militares, usar trajes civis e, acima de tudo, não contar nada à mãe e à mulher. É obrigado a trabalhar nas madrugadas, bebendo em bares infectos, e cuidar do empreendimento com personagens insólitos. Em pouco tempo, o que era missão discreta se transforma no maior empreendimento de prostitutas do país, virando do avesso a vida de Iquitos e do próprio Pantaleão, que, como se não bastassem os problemas familiares, se verá envolvido com uma bela e insinuante visitadora (prestadora de serviços sexuais): e tudo o que ocorre vai sendo contado por meio de cartas e memorandos oficiais.
Texto de difícil compreensão inicial, porque nele as histórias se cruzam, pensamentos e diálogos aparecem como se fossem do nada, e leva-se um tempo para se compreender a estrutura da obra – mesmo sendo considerado texto leve, menor, se comparado à grande obra do autor – ler Pantaleão e as visitadoras é mergulhar no que de mais podre e hipócrita existe no ser humano.
Em nome de um princípio nobre (a paz fisiológica dos soldados) , ordenado por seus superiores hierárquicos, Pantaleão constrói uma excrescência ao incentivar a prostituição.
Paralelamente à criação do serviço, e sob protesto da população e da Igreja, existe uma seita religiosa que, em nome de Deus, efetua (crucifica) sacrifícios de insetos, animais e humanos: é a corrupção de valores morais e éticos no mais alto grau, tudo em nome de Deus ou do Governo.
A história envolta numa burocracia maior do que a de O Processo – que deixaria com inveja o escritor Kafka – desenrola-se no estilo Faulkneriano (com numerosos devices – fluxo de consciência e o monólogo interior, os múltiplos narradores e a diversidade de perspectivas, o baralhamento de sequências temporais, um estilo convoluto, ou seja, enrolado para dentro, as justaposições, os vazios e negações ). Fala de um homem que abandona esposa (Ponchita) , mãe (Leonor) e filha (Gladyzinha) , que se deixa levar pela bebida e mulheres, encontra uma amante (Olga Arellano Rosauro – vulgo Brasileira) . Fala de uma Irmandade da Arca, do fanático Irmão Francisco e das atrocidades cometidas por ele e seus seguidores . Fala da vida nada fácil de prostitutas, cafetinas e gigolôs ( Peludita, Chupito, China Porfírio, Chuchupe) . Fala da mídia corrompida e corruptora por meio do jornalista corrupto Germán Láudano Rosales, do programa “A voz do Sinchi” , na rádio Amazonas . Fala da Igreja e da postura do chefe do Corpo de Capelães Castrenses, Godofredo Beltran Calila.
A não ser que queiramos seguir Cartola – composição de Candeia, na música, Preciso me Encontrar, que diz: “Vou por aí a procurar , rir pra não chorar” – Pantaleão e as visitadoras nada tem de diversão ou de humor, e só faz lembrar um fato mais recente, numa certa mansão em Brasília, em que as meninas ( “recepcionistas”) de uma “empresária” foram manipuladas por donos do poder, e protagonizaram fatos lamentáveis de nossa política recente.
Enquanto Pantaleão termina seus dias à beira do lago Titicaca, nossos personagens reais continuam vivendo suas aventuras à beira do lago de Paranoá.
Enfim, personagens desprezíveis, seja de ficção ou de histórias verdadeiras, nunca serão os primeiros nem os últimos a extorquir, de todas as formas possíveis e inimagináveis (li essa justificativa em algum lugar da revista Veja de 15 de março de 2006), e seremos sempre crucificados por irmandades de arcas religiosas, políticas, civis e militares.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO