“Um ídolo não morre, vira lenda”.
Li,em algum lugar, que um ídolo não morre, vira lenda.
No meu caso, que nunca fui de tietagem — mas havia aberto uma única exceção —, num encontro pessoal com meu ídolo, ele virou pó… de gelo.
Depois da experiência pela qual passei, aconselho: nunca queira conhecer pessoalmente seu ídolo. Ele pode, com quase toda a certeza, não ser seu fã, apesar de você se recusar a acreditar nessa hipótese.
Descobri, recentemente, que nem sempre o que um artista escreve e canta, corresponde ao que ele é em sua relação com as pessoas: no encontro com astros, nem sempre é possível conhecer a árvore pelos seus frutos.
Recentemente, tive a sensação desagradável, que muitos fãs devem ter tido, de que eu estava incomodando meu ídolo: ao encontrá-lo frente a frente, esperei por um aperto de mão caloroso e um olhar amigo, mas fui recebido por um zumbi, pálido, olhar perdido, cigarrilha entre os dedos, e que fez um rabisco ( o que eu desejava fosse uma dedicatória, uma única palavra escrita, seguida de um autógrafo) no CD que eu havia comprado, como se rabiscasse uma nota fiscal no valor da compra.
Nos meus mais de sessenta anos — mas no momento em que vislumbrei a possibilidade de dar a mão ao admirável poeta e menestrel, agia como um adolescente deslumbrado — senti a sensação que saia da sala de autógrafos como se fora um cão com o cauda entre as pernas: uma humilhação sofrida em nome do amor à arte de alguém que eu sempre admirei.
Senti na própria pele o que, por diversas vezes, vi ocorrer com outras pessoas, na tela da TV: fãs alucinados serem menosprezados por craques de futebol, estrelas do vôlei, cantores de funk ou rock, atores de novelas…
Gente que recebe algum excepcional dom de Deus, alçados pela mídia aos seus (pseudo) inatingíveis pedestais, muitas vezes não sabem o quanto, juntamente com esse dom, passaram a carregar uma carga de responsabilidade social: a de serem modelos de pessoas no trato com seus admiradores, tendo em vista que é com o dinheiro deles — muitas vezes retirados do próprio sustento — que mantêm suas mordomias e prazeres.
Hoje, ainda com a alma transmutando admiração em decepção , compreendo um texto intitulado A decepção de ver o ídolo de perto, de Pablo Kossa — jornalista, produtor cultural e mestre em Comunicação pela UFG : “Normalmente temos uma visão idealizada de quem gostamos e esquecemos que artistas costumam ter egos maiores que seu trabalho, se consideram subestimados, têm os piores vícios possíveis e podem ser escrotos da pior estirpe no trato pessoal. A experiência mostra que quanto menos contato você tiver com o artista que gosta, melhor continua sendo sua relação com a obra do cara: preservar o mito é importante para que a admiração continue a mesma”.
Nesse caso, se fosse resolver, eu iria dizer ao meu ex-ídolo: foi minha agonia. Porque se eu tentasse entender, por mais que eu me esforçasse, eu não conseguiria.
Então resolvi, para engolir a mágoa, ficar por um bom tempo — ou talvez pelo resto da minha vida, já sou um sexagenário — sem ouvir Bandolins, A lista, Lua e flor…
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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