“SEU” TUNICO: O PATRÃO.

Meu velho pai, Claudio Tórtoro, chegando aos seus noventa anos de vida, gosta de repetir histórias.
As principais têm como personagem  o primeiro patrão que teve quando ainda era menino, usando calças curtas:  “seu” Tunico.
“Seu” Tunico era dono da empresa e tinha muitas posses.
Meu pai era o irmão mais velho dentre quatro. Arrimo de família a partir dos seus dez anos, sustentava, também, a mãe viúva, que perdeu o marido quando ele estava com apenas trinta e três anos de idade.
Pobres, tiveram autorização do “Seu” Tunico para morarem em uma das propriedades dele e, em troca, cuidavam da casa, da plantação e  dos animais domésticos.
Conta meu pai, que o meu avô, Carmine, antes de sua morte, depois de tossir sem parar por quase um ano — com os pulmões prejudicados pelo pó de mármore, pois trabalhava numa marmoraria dando acabamento a túmulos, verdadeiras obras de arte que hoje ainda podem ser admiradas no cemitério da Saudade — viu, entre os pés de jabuticabas, a imagem de um homem muito parecido com o Nazareno. Meu pai, criança, nada via. E meu avô concluiu: “meu fim está próximo”.
Às vezes tinham que comer restos dos ricos moradores da Nove de Julho: a avenida que passava a duas quadras abaixo dessa humilde moradia dos Tórtoro. Em alguns momentos, eram salvos pela alimentação fornecida pelo “Seu” Tunico.
Certo dia, meu pai foi acusado, precipitadamente, de furto: pacotes de Gillette, que, na época, eram importados. Descobertos os verdadeiros culpados, dois jovens auxiliares em que ele confiara, “Seu” Tunico pediu desculpas ao injustiçado funcionário, e deu-lhe um polpudo ( para a realidade em que meu pai vivia) aumento de salário.
Conta meu pai, que num dos horários de almoço, em que funcionários comiam de suas marmitas, aproximou-se inesperadamente o poderoso patrão,  “Seu” Tunico. Os funcionários, imediatamente, tentaram esconder o arroz com pouca mistura que comiam. “Seu” Tunico então questionou: “ Do que vocês têm vergonha ? Quisera eu ter saúde para poder comer o que vocês estão comendo”. E deixou todos à vontade.
“Seu” Tunico, conta ele — não sei se posso confiar em sua senilidade —antes de morrer, deixou para seus funcionários um programa de atendimento médico gratuito, um clube social, e possibilidade de participação nos lucros da empresa.
“Seu” Tunico era alemão.
“Seu” Tunico era simplesmente Antonio Diederichsen, e o primeiro emprego de meu pai era o Antigo Banco Construtor, único emprego por quase quarenta anos.
Segundo texto de Luiza Meirelles, para a revista Revide: “Foi Schimidt que  recebeu, em Ribeirão Preto, nos anos de 1890, o jovem Antonio Diederichsen, sobrinho de seu antigo sócio, Arthur. Depois dos estudos em São Paulo e na Alemanha, onde nasceram seus pais, Antonio viajou para Ribeirão Preto e hospedou-se na fazenda Monte Alegre, tornando-se amigo do experiente coronel. O objetivo da viagem era fazer um levantamento do inventário das fazendas endividadas com o Banco Brasileiro-Alemão. Nesse período, identificou uma excelente oportunidade de negócios, comprando uma oficina mecânica, uma fundição e uma serraria de um banco falido do litoral paulista. Em sociedade com João Hibden, iniciou a primeira empresa, a “Diederichsen & Hibden”. Incansáveis, o negócio ficava aberto ao público das 6h às 21h, mas a sociedade foi desfeita com o início da 1ª Guerra Mundial. Na ocasião, Diederichsen decidiu dividir os rendimentos da firma com seus auxiliares diretos, como Manuel Penna, de quem também se tornaria sócio, e permaneceu fiel ao princípio de amizade e de generosidade com quem sempre esteve ao seu lado até o fim da vida. A empresa expandiu-se ainda mais, agregando um departamento de venda de carros e um posto de serviço, por exemplo. O sucesso como empresário o levou a inaugurar o Edifício Diederichsen, que marcou o ciclo de grandes prédios da cidade e tornou-se, também, atração turística ribeirãopretana.
A ousadia desse homem de espírito arrojado e empreendedor colocou Ribeirão Preto no caminho da modernidade e começou a transformar a “terra do café”, que sofria com a crise da bolsa de Nova Iorque, em 1929, no cenário do capitalismo industrial. Foi pelas mãos de Diederichsen que instalou-se na cidade a primeira concessionária de automóveis, na década de 1920, em sociedade com Manuel Penna. Chevrolet, Ford e Volkswagen foram as marcas comercializadas pela dupla que deu origem à Santa Emília, uma homenagem à mãe de Manoel, que sabia da responsabilidade que tinha ao prosseguir com os negócios, depois da morte, em 1955, do homem que havia mudado sua vida”.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br
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