COMPLEXO DE FAETONTE

Filho de Hélio e Clímene, Faetonte foi educado pela mãe em total desconhecimento de quem era seu pai. Ao atingir o início da adolescência, a mãe disse a ele que seu genitor era Hélio, o sol.

Um dia, desafiado por Épafo, pediu a Hélio, as rédeas do carro do Sol.

Hélio, inicialmente, recusou, mas acabou por aceder ( como fazem todos os pais ausentes por dor na consciência) , dando-lhe a indicação de que rota deveria seguir. No entanto, Faetonte não conseguiu manter essa rota, ora subindo demasiado e provocando oscilações nos astros, ora descendo,  e arriscando-se a provocar a destruição na Terra. A fim de prevenir um desastre, Zeus viu-se obrigado a fulminá-lo com um raio, e Faetonte precipitou-se sobre o rio Erídano.

Quando os boletins dos filhos são entregues aos pais, a cada final de bimestre, surgem os Hélios e Faetontes da vida moderna.

Pais envolvidos demais com suas profissões e seu trabalho não têm tempo para os filhos, são pais ausentes que tentam, a qualquer preço, compensar essa falta de presença e atenção com presentes, dinheiro, excesso de permissividade e demonstrações de agressividade ( talvez por inveja ou ciúme) com todos aqueles que passam mais tempo do que eles, com seus filhos , como é o caso de professores, psicólogos e orientadores educacionais.

Esse modernos Faetontes crescem com muita liberdade, e muita solidão, e também com falta de referências e de contatos afetivos e humanos, buscando então, com diversas formas de indisciplina ( não fazem tarefas, esquecem o material escolar, tiram notas baixas, brigam de forma agressiva com colegas, desrespeitam professores e outras autoridades escolares) , chamar a atenção de seus Hélios.

E esses Hélios, buscando demonstrar aos seus Faetontes que os amam, buscam de forma irracional defendê-los de qualquer tipo de crítica e , para isso, diante de professoras indefesas  — e sob o olhar atônito de uma dezena de outros pais presentes e conhecedores da realidade escolar de seus filhos —, utilizam-se, descontrolados pela fúria de alguém que sabe estar em débito com sua consciência,  de todos os tipos de argumentos durante uma reunião de pais e mestres: a escola tem muitos alunos na sala ( mesmo que seja abaixo do número de alunos, permitido pela legislação) , o critério de avaliação é injusto, critica o procedimento de professores, considera as punições desproporcionais, desconhece as informações dadas à mãe do seu filho porque não foram dirigidas a ele, reclama que os responsáveis pelo acompanhamento da vida escolar de seu filho não estão disponíveis para atendê-lo nos poucos momentos em que ele têm disponíveis para conversar sobre seu filho, e assim  por diante.

Como não tem tempo de ler as normas e os comunicados emitidos pelo colégio, considera desorganização tudo o que não corresponde às suas expectativas imediatas de pai de final de semana, e como paga ao final de cada mês a mensalidade escolar, defende o absurda idéia de que , quem paga, faz o que bem entende no âmbito escolar: quer comprar os educadores como compra a atenção e o “amor” do filho.

Na época da informática, da comunicação imediata a partir de qualquer ponto do globo terrestre, e a qualquer hora do dia ou da noite, é inconcebível que esses Hélios não consigam, no decorrer de cada bimestre, cinco minutos para enviarem uma mensagem via e-mail ou MSN, ou dar um telefonema para uma conversa amigável  com o Orientador Educacional do seu Faetonte, e em parceria com ele buscar formas civilizadas de resolver as múltiplas e complexas questões que envolvem o processo educacional.

Talvez não o façam dessa forma discreta porque precisam gritar para uma platéia, mesmo que pequena, buscando se autoconvencerem, inutilmente,  de que estão em dia com as responsabilidades paternas.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO

ancartor@yahoo.com

www.tortoro.com.br

 

 

 

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