“Todos os artistas têm em comum a experiência da distância insondável que existe entre a obra de suas mãos, por conseguida que seja, e a perfeição fulgurante da beleza percebida no fervor do momento criativo: o que conseguem expressar no que pintam, esculpem ou criam é só um tênue reflexo do esplendor que durante uns instantes brilhou ante os olhos de seu espírito.”
Papa João Paulo II
Talvez nem os alfaiates saibam , mas seis de setembro é o Dia do Alfaiate, uma data que se despede do calendário tendo em vista que , como todas as atividades que exigem habilidade com as mãos e certo toque pessoal, está cada vez mais sendo considerada arte e não profissão.
Osman Lins encerra um seu artigo, escrito em 1976, com as seguintes palavras: “Hoje, com as chamadas “roupas feitas” , a maioria dos alfaiates costura para ninguém, para corpos possíveis, para clientes invisíveis. Desapareceu, em grande parte, a minúcia do riscado, a precisão do corte, a exatidão nas provas. O ofício perdeu muito do caráter artesanal. Desaparecem, com as alfaiatarias, oficiais como o meu pai, que mantinham com as medidas e os riscos uma intimidade cheia de nobreza. Os novos tempos mostram-se desdenhosos para com os ofícios delicados, cujo sentido não está em produzir muito e sim em produzir serenamente”.
E, por falar em produzir serenamente, penso em meu velho pai, Cláudio Tórtoro, octogenário, que, aposentado das Lojas Diederichsen, continua um profissional consciencioso, quando o assunto é empalhação de cadeiras.
Sempre tendo à mão seu material de trabalho artesanal, aos quais sente-se intimamente ligado, ele passa horas a fio, diariamente, em torno de sua bancada.
No quadrilátero de madeira, perfurado em todos os seus lados, e preso à morsa de mais de sessenta anos, ele traça suas linhas com material sintético: na realidade, ele geometriza, cuidadosa e habilmente, construindo, um a um, quadrados e octógonos, pacientemente tecendo um bordado de delicadeza incrível.
Na minha infância, eu me encantava, e ficava inebriado com aquele trabalho de aranha tecendo sua teia, gostava de sentir o cheiro da palhinha, da madeira furada com broca, e pegar aquelas ferramentas tão simples, mas que criavam verdadeiras obras de arte: perfuradores, pinos de trava, agulha de 40 centímetros de comprimento, cavilhas, cunhas.
De vez em quando, passo por lá para conversarmos um pouco, enquanto ele anda de lá para cá, de cá para lá, com longos fios nas mãos, que, hábeis, vão tecendo trançados, incrivelmente resistentes e duráveis, compostos por paralelas, perpendiculares e transversais.
Trabalhar assim tem um pouco de um escritor com as palavras: cada fio que atravessa bem esticado, de lado a lado, um acento ou encosto de cadeira, representa uma palavra. Cada linha que se cruza com outra vai formando sentenças.
E que bela história conta, para os olhos de meu pai, cada obra concluída: é como se parte de sua alma ficasse depositada naquele quadrilátero que, antes sem vida, agora compõe uma peça de artesanato única: é sempre um instante do criador olhando orgulhoso a criatura.
Enfim , a cada seis de setembro, não sei se lamento pelos alfaiates, que pouco a pouco perdem o seu dia, ou se me entristeço pelos empalhadores de cadeiras que nem chegaram a ter o seu.
Mas, pensando bem, isso não importa: para os artistas, basta o prazer supremo do momento da criação de cada dia.