Minha amiga e escritora, Ely Vieitez Lisboa diz que sou elétrico.
Agora, nesses dias que antecedem mais um Carnaval, é preciso cintilar de dentro para fora, botar pra quebrar.
Nada como se preparar para brilhar como estrela, resplandecer, luzir, sobressair.
Cintilante, passear pela avenida do samba, cantarolar velhas canções, jogar confetes e serpentinas, distribuir alegria pelos salões.
Nada mais chique do que passar por uma…cintilografia: um misto de fotografia e cintilâncias, registro fotográfico da distribuição de um radiofármaco administrado por via interna, com utilização de uma câmara gama, ou seja um detector de cintilação estacionário; cintifotografia: a fotografia mais uma vez em minha vida.
É assim que estou me preparando para os próximos dias de folia.
Começo no dia seis de fevereiro, nove da manhã, na avenida…Independência, no DIMEN – Instituto de Medicina Nuclear: um começo atômico , recebendo raios gamma depois de uma dose de Tc99m (tecnécio 99 meta-estável) devido às suas propriedades físicas vantajosas, como tempo de meia de vida de 6,01 horas, decaimento por emissão gama pura com fótons de 140 keV , facilidade de sua obtenção a partir do Mo99 (Molibdênio 99), além de estados 1-6 de oxidação e vários modos de coordenação que permitem uma boa e prática ligação ao traçador: traçarei todas.
Então o miocárdio de mio cuore folião estará sob os fleches de paparazzi de aventais brancos e olhares apreensivos, atentos a confetes cintilantes espalhados por artérias pulsantes de vida, ou não.
E lá vou eu, levado por um cintilógrafico trio elétrico, olhos fechados, relembrando os mais de sessenta Carnavais de minha fugaz existência: os sambas-enredo, os abre-alas, os carros alegóricos, as comissões de frente, os mestres-salas e porta-bandeiras, as alas, as fantasias, os adereços, os sonhos, pesadelos, alegrias e tristezas, ao sabor de esperanças de que muitos outros mais virão.
É um Carnaval que, de repente, fica silencioso me fazendo lembrar da Banda Blitz: uma sensação estranha de sair uma noite, caminhando sozinho, de madrugada, com a mão no bolso, na rua …. , pensando na infância perdida, nos antigos amigos da escola, nos ex-alunos, no casamento duradouro, nos filhos, no amor imortal pela Lu, a luz da minha vida. E lá vem Vinícius de Moraes : Ai, vontade de ficar mas tendo que ir embora, ai, que amar é se ir morrendo pela vida afora é refletir na lágrima um momento breve de uma estrela pura cuja luz morreu…
Morreu não, e nem vai.
Foi tudo uma fantasia, uma metáfora fora de hora, imprevista, incômoda, mas, felizmente, só mais um Carnaval a ser lembrado em minha longa e fantástica vida, agora não mais elétrico, mas atômico.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO