Entre a ativação do sistema límbico — no interior mais primitivo do cérebro, após os pais de um aluno receberem as notas do boletim ao final do semestre — e o início do funcionamento do córtex pré-frontal, — região fundamental para a racionalidade — está a sala do Orientador Educacional, onde alguns poucos (felizmente) pais , furiosos, com o fluxo de sangue aumentado, com hormônios liberados, em especial a adrenalina, ritmo cardíaco acelerado e temperatura elevada, descarregam toda a sua raiva numa explosão de fúria incontrolada e mais agressiva do que o som de vuvuzelas.
Dependendo do acervo ético, legal, moral e religioso, ou seja, da cultura dos pais, a explosão desproporcional ou fora de hora não resiste a um diálogo adulto e sem preconceitos, pois é sabido que uma boa conversa, depois que a raiva foi posta sob controle, pode revelar que não havia motivo real para irritação: nem tudo o que parece injusto e motivo da raiva de fato o é.
Nos dez a quinze minutos em que o Orientador sofre todo o tipo de insultos, insinuações, agressões verbais e ameaças físicas — porque os pais querem ouvir o de que gostariam, e não o que temos a dizer — o córtex desses pais recebe mais sangue, a atividade dele aumenta, ele começa a interagir com o sistema límbico para controlar racionalmente a raiva, até que a diretora tome conhecimento dos fatos, dado o clima de tensão criado.
Resta ao Orientador respirar fundo, controlar-se dentro do possível ( e às vezes do impossível) , entendendo que o sentimento de raiva sempre vem do próprio indivíduo furioso não dos outros, embora seja aos outros que os descontrolados atribuem as causas do conflito: a grande maioria projeta para a realidade o que está em seus pensamentos, superestimando eventos e colocando, na boca de seus interlocutores, palavras que não foram ditas.
É importante frisar que a conversa com a direção do Colégio, após os desaforos atirados sobre o Orientador, é bem diferente e em outros níveis, tendo em vista a ação do córtex pré-frontal ( quando ele é saudável).
Mas, durante o tempo gasto pelo organismo, entre a ativação do sistema límbico e o funcionamento do córtex, muitas são as pérolas atiradas para todos os lados: “pago a escola para não ter reclamações e nem problemas com meu filho” , “ nesta escola são todos mentirosos e estão perseguindo meu filho” , “meu filho nunca teve problemas antes de vir para esta escola” , “isso não vai ficar assim , vou pegar você qualquer hora “ , “ se meu filho for punido, vou à Justiça procurar pelos meus direitos “ , “ pela lei, meu filho não pode e não será reprovado”.
Talvez por esses e outros motivos é que temos notícias na mídia de coletores de lixo que agrediram crianças mal educadas que os ofenderam chamando-os de fedidos, na zona Norte de Ribeirão Preto; ou da professora que está sendo crucificada porque prendeu um menino à cadeira da classe, em Brasília.
O intrigante, se não revoltante, é que ninguém pergunta, antes de defender seus “direitos” : como será o comportamento desses anjinhos nas suas relações com superiores e colegas, na sala de aula, nas excursões da escola, no clube recreativo ?
Hoje, crianças de cinco, seis anos, chutam professoras, falam palavrões, mentem, deturpam informações, fazem vítimas de bullying seus colegas de sala, furam pneus ou danificam a lataria dos veículos de seus professores, orientadores e diretores : e alguns pais, que não dedicam aos filhos o tempo necessário para lhes dar uma boa formação, ética, moral e religiosa, defendem a ideia de que a escola é que deve adaptar-se aos seus filhos e não o inverso.
Tudo normal, segundos alguns, que acreditam no fim dos tempos que antecedem dezembro de 2012.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA:
Tórtoro,
Excelente artigo.
Realmente, hoje os pais transformaram-se em bichos muito estranhos… E o pior: transferiram o educar, para a Escola. É o tipo mais comum de terceirização.
O que fazer?
Como você tem aguentado a profissão de Orientador Educacional tanto tempo? Você é a janela de todos os estilingues… Aliás, sempre que ouço alguém mencionar os problemas da Educação hoje e da Escola, dos Adolescentes, não vejo nenhuma solução. Tudo é o reflexo da Sociedade, da Família desestruturada, da influência da TV.
Como iniciar a mudança? Como?
Que Deus nos ajude!
Abraços.
Ely Vieitez Lisboa
ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras