DE PANTUFAS NO TELHADO

Três horas manhã.
Madrugada de domingo.
Ruídos estranhos.
Tem alguém correndo pelo telhado de minha casa.
Os cães ladram na vizinhança.
Na rua, sons confusos de vozes e luzes de lanternas percorrendo as paredes das residências.
Abro o portão e deparo com um grupo de policiais militares fortemente armados, engatilhando  armamentos.
Carros da PM cercam as esquinas e tomam conta do quarteirão.
Brasil Urgente, sem Datena,  ao vivo.
Passado o susto inicial, descubro que a lanchonete do bairro foi assaltada, e o assaltante  conseguiu escapar percorrendo telhados, inclusive o meu.
Homens , mulheres e crianças tomam o meio da rua,  cabelos desgrenhados, cara de sono, alguns de roupões, cobrindo-se com cobertores e até de roupas íntimas.
Nos pequenos grupos que se formam, todos tentam contar suas versões do que aconteceu, ou que poderia ter ocorrido.
O policial, arma em punho, olhar atento para tudo que ocorre no entorno, avisa que devemos entrar em nossas residências porque o assaltante tem em seu poder um trinta e oito.
A noite está  fria; o ar, seco, por falta de chuvas, e os telhados estralam sob os coturnos dos policiais,  as calhas soam como trovoadas esparsas, e pequenos baques são ouvidos aqui e acolá quando os homens da PM saltam dos muros.
As vítimas do assalto, agora livres de amarras que deixaram nelas marcas nos braços e na alma,  falam do medo, do terror, do susto.
Já são cinco horas da manhã quando entro em minha  residência e tento, em vão, dormir de novo.
Amanhece, e sob os primeiros raios de sol já estou pegando a escada para verificar o telhado de minha casa e ver os inevitáveis estragos deixados pelos coturnos, na cobertura de telhas de cerâmica quarentona.
O saldo resumiu-se em alguns pares de telhas rachadas ao meio, cimentado das cumeeiras fora do lugar, e rufos entortados.
E o assaltante foi preso, num trabalho eficiente, eficaz e competente dos homens de nossa Polícia Militar.
Mas não pude deixar de imaginar como seria melhor, para o meu telhado, é claro,  que, da próxima vez, que espero não volte a acontecer, nossos bravos soldados, que tão habilmente sobem nos muros, pulam de telhados, escalam paredes, usassem delicadas e macias pantufas, no sagrado cumprimento do dever.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO

 

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