“Era uma vez um sapo que vivia em um poço pequeno, mas muito fundo. Ele não sabia nada do mundo. O poço e o pedaço de céu que conseguia ver eram seu universo”.
Conto chinês que mudou a vida de um bailarino.
A leitura do livro de memórias de Li Cunxin, Adeus, China – o último bailarino de Mao , quatrocentas páginas , da Editora Fundamento Educacional, levou-me às lágrimas em alguns momentos, e à angústia da separação do começo ao fim.
Adeus, China é a história de um jovem camponês, uma narrativa que poderia ter desaparecido, como as vidas de outros milhões de camponeses, em meio à revolução e ao caos. É uma história de coragem, de amor de mãe e do anseio de um jovem por liberdade. O relato belo e precioso de uma vida inspiradora contado com honestidade.
Li Cunxin nasceu em 1961, em Vila Nova, na Comuna de Li, perto da cidade de Qingdao, costa nordeste da China. O sexto de sete filhos em uma família pobre da área rural, Li viu sua vida de camponês na China comunista de Mao mudar drasticamente quando, aos 11 anos de idade, foi escolhido pelos conselheiros culturais de madame Mao para estudar na Academia de Dança de Pequim. Depois de um curso de verão nos Estados Unidos para o qual foi um dos dois únicos selecionados, desertou para o Ocidente, tornando-se um primeiro bailarino do Houston Ballet.
Li, que prosseguiu em sua trajetória, tornando-se um dos melhores bailarinos do mundo, diz, no início do livro : “Esta é minha história. Aqui estão minhas recordações daqueles anos na China de Mao. É a história de minha família. É minha jornada, desde as lembranças mais remotas, passando pela descoberta da dança, até a vida no Ocidente. Os registros históricos podem ser outros, muita gente pode ter lembranças diferentes. Para mim, porém, os relatos são hoje tão verdadeiros como sempre foram. Neles estão os tesouros do meu coração”.
A recorrente lembrança de Li, longe de sua família ( pai, mãe e seis irmãos) que vivia em Qingdao — um vilarejo desesperadamente pobre do nordeste da China — durante todo o tempo em que conheceu os Estados Unidos da América e diversos países da Europa, me fez lembrar o que senti quando de uma viagem que fiz a Salvador – BA, para participar de um curso de reciclagem e aperfeiçoamento, patrocinado pelo colégio em que eu trabalhava.
Eu estava na Bahia, mas meu coração continuava em Ribeirão Preto, junto à minha jovem esposa, e então escrevi um poema, Salvador sem você :
Salvador sem você / é mar sem Amaralina, / praia sem acarajé, / farol de Itapuã / sem Vinícius de Morais. Salvador sem você / é coco fresco sem água, / vatapá sem a pimenta, / Barra sem farol / e areia a ser pisada…
E concluí na décima estrofe : Não há Salvador sem você. / A saudade ocupa o vazio / da capital da Bahia, / dos corredores das Mercês / e do sol no fim do dia.
Tenho a impressão de que, se Li fosse poeta, ao invés de bailarino, teria escrito aos seus pais, quando conheceu os Estados Unidos, o poema : Nova Iorque sem vocês.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO