“Quando morrer, quero que escrevam na minha lápide: ‘Aqui jaz uma criança que morreu desgraçadamente, com saudade de casa’ ”.
Inge Pollak
Na novela Viver a Vida, da Rede Globo, Luciana, personagem de Alinne Moraes, somente depois de ficar paraplégica descobre o valor das pequenas coisas da vida: vestir-se, comer, tomar banho, coçar o nariz, andar, acariciar alguém.
No livro Vozes Roubadas – diários de guerra, acontece o mesmo : jovens adolescentes descobrem o quanto é importante almoçar, jantar, ir ao shopping, ver TV, dançar, ouvir uma música, andar pela rua, ir à escola.
Em seu diário, o Mimmy, Zlata Filipovic, uma jovem da Bósnia-Herzegovina, nos anos de guerra de 1992/93, com 12 anos de idade , escreve: “ Não aguento mais tiros de canhão ! Não aguento mais granadas caindo ! Nem mortos ! Nem desespero ! Nem fome ! Nem infelicidade ! Nem medo !
Minha vida é isso !
Não se pode criticar uma criança que não brinca mais, que ficou sem amigas, sem sol, sem pássaros, sem natureza, sem frutas, sem chocolate, sem balas, só com um pouquinho de leite em pó. Uma criança que, em resumo, não tem mais infância. Uma criança da guerra. “
Tanto Luciana, personagem fictícia, quanto Zlata, personagem real, nunca valorizaram o que tinham, quando tinham: os jovens são todos iguais porque, levados pelo consumismo, incentivados pela mídia, acham sempre que lhes falta de tudo.
Também não se fazem mais diários como antigamente, não conseguem entender que os diários contêm as palavras de seu tempo, apesar de serem também pessoais e, em geral, não são escritos para serem publicados e, assim, eles transmitem a natureza de qualquer conflito vivido de maneira real e imediata. Embora não sejam redigidos como registro histórico, acabam sendo exatamente isso , de um jeito poderoso, pessoal e humano.
No ano de 1968, escrevi meu diário, amigo e confidente, relatando fatos da mídia, filmes em cartaz, minhas atividades no Tiro-de-guerra, e meus estudos no colegial do Otoniel Mota: foi um ano de minha guerra particular, num tempo de ditadura e opressão. Nada importante para o mundo, mas é um documento que registra parte importante de minha vida de jovem adolescente.
Vozes roubadas é um livro que deveria ser lido por todos os jovens, insatisfeitos com aquilo que os pais podem lhes dar no momento.
Piete Kuhr, na Alemanha , com 12-15 anos , entre 1914-18; Nina Kosterina, na Rússia, com 15-20 anos, entre 1938-41; Inge Pollak, na Áustria/Inglaterra, 12-15 anos, entre 1939-42; Willian Wilson, na Nova Zelândia, 21 anos, em 1941; Hans Stauder, na Alemanha, 21 anos, em 1941; Sheila Allan, em Cingapura, 17-21 anos, entre 1941-45; Stanley Hayami, nos Etsados Unidos, 17-19 anos, entre 1942-44; Yitskhok Rudashevski, na Lituânia, 13-15 anos, entre 1940-42; Clara Schwarz, na Polônia, 15-17 anos, entre 1942-44; Ed Blanco, dos Estados Unidos, 19-20 anos, em 1968 , Guerra do Vietnã; Zlata Filipovic, na Bósnia-Herzegovina, 11-13 anos , entre 1992-93; Shiran Zelikovich, em Israel, 15 anos, em 2002 durante a Intifada; Hoda Thamir Jehad, no Iraque, 18-19 anos, entre 2003/04: todos relatam seus sofrimentos , angústias, dores, perdas, mas sempre sem perder a esperança em dias melhores.
Para os jovens estudantes que tiverem acesso a essa obra, também são importantes as inserções, feitas pelas autoras Zlata Filipovic e Melanie Challenger, dos fatos históricos que levaram aos conflitos mencionados pelas autoras dos diários.
Enfim , Anne Frank, é face do Holocausto, Zlata Filipovic, é a face da Guerra da Bósnia. Entretanto a autora indaga : “Quem será a face da paz ? “.
E eu respondo: quem sabe não será você a face tão procurada da paz, minha jovem leitora, que, ao escrever seu diário, não estaria fornecendo ao mundo a solução tão esperada?
Não permita que roubem sua voz.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO