“Não há arte sem voz, o texto é só uma oportunidade do gesto vocal”
Zumthor
Em A menina que roubava livros, de Markus Zusak, Liesel Meminger , a menina alemã do título, lê para Max Vandenburg, um judeu, enquanto ele se mantém escondido na casa dela, na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial: e aprende a amá-lo
Em O leitor, romance de Bernhard Schlink, Michael Berg, um jovem de quinze anos, lê fragmentos de obras de escritores famosos para Hanna Schmitz , mulher vinte anos mais velha: e se apaixona por ela.
No livro de Zusak, um dos grandes momentos é quando Liesel é convidada pela esposa do Prefeito a visitar a sua biblioteca: “a sala foi encolhendo sem parar, até que a menina que roubava livros pôde tocar nas estantes, a poucos passinhos de distância. Correu o dorso da mão pela primeira prateleira, ouvindo o arrastar de suas unhas deslizar pela espinha dorsal de cada livro. Soava como um instrumento, ou como as notas de pés em correria. Ela usou as duas mãos. Passou-as correndo. Uma estante encostada em outra. E riu. Sua voz se espalhava, aguçada na garganta, e quando ela, enfim, parou e ficou postada no meio do cômodo, passou vários minutos olhando das estantes para os dedos, e de novo para as prateleiras”.
Na obra de Schlink, as mesmas sensações são vividas por Hanna ao visitar a biblioteca do pai de Michael: “Ela tinha ido de quarto em quarto e estava no escritório de meu pai. Encostei-me silenciosamente no umbral da porta, observando-a. Ela deixou seu olhar vagar pelas prateleiras de livros que cobriam as paredes, como se estivesse lendo um texto. Então foi até uma prateleira, passou o dedo indicador da mão direita pelas lombadas dos livros,foi até a prateleira seguinte, continuou com o dedo, lombada a lombada, passando em revista o quarto todo. Na janela, ficou parada, olhando na escuridão, para o reflexo das prateleiras de livros e sua própria face refletida”.
Já vivi, quando adolescente, as emoções de, não podendo comprar livros, receber um dia o convite de uma vizinha (Sra Edmeia, esposa de meu padrinho de crisma, Sr Eder) para dispor de sua biblioteca particular: foi uma experiência das mais marcantes e inesquecíveis em minha vida.
É importante frisar que ambas, no início dos romances, são analfabetas, e encontram nos livros o elo que as leva ao amor e/ou à paixão.
A leitura em voz alta leva uma alemão — teoricamente, nazista — ao encontro de um judeu, e leva um advogado ao encontro de uma criminosa nazista, subvertendo as verdades, tidas como universais, de que todo nazista é contrário aos judeus e que todo advogado é contrário aos criminosos.
O meio utilizado para promover a tal subversão são os livros, e a identificação dos leitores com as personagens e o enredo vem da necessidade de cada um de nós, nesses tempos de solidão, de átomos, de fragmentos, de rapidez, de indivíduos, de descontinuidade, numa era tecnológica da imagem, de encontrar uma voz, a voz de um narrador ecoando transformada e transformadora.
Para quem gosta de livros, esse é o segredo do sucesso de ambas as obras em questão: são livros que falam de livros como já afirmou Umberto Eco e retomam o valor e o encanto das histórias narradas.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA
Querido amigo, li sua crônica, pois eu tive a mesma sensação quando li “A menina que roubava livros”.
É muito bom deixar de lado a TV e dedicar algumas horas à leitura: faz bem a alma!
Abraços.
Elisa Alderani Ciancaglini