ENCONTRO COM BENJAMIN BUTTON

“ Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso”

 

François René de Chateaubriand
Há muitos anos, ganhei das Irmãs Ursulinas um presente de Natal: minha demissão sem justa causa, após mais de dez anos de plena dedicação.
Era um dia vinte de dezembro, dia do lance final de um tríplice e nada fraternal combate entre um peão branco e uma dupla de Rainha ( A louca ? ) e um Bispo ( Ítaco ? ) pretos.
De lá para cá, quando invadimos os primeiros dias de outubro, eles vêm acompanhados de uma angústia, de uma insegurança sem explicação, tendo em vista o quanto me sinto valorizado e respeitado no trabalho exercido no Colégio Anchieta, por mais de dez anos.
Principalmente agora, completados meus sessenta anos, parece-me que o trauma ficou pior.  Levantar-me de madrugada, ir ao banheiro , e me olhar no espelho, transporta-me para uma masmorra em que falta o ar, gela mãos e pés, e os pensamentos me levam a ruas vazias, ventos cortantes, dores pelo corpo, abandono aterrorizante, solidão total.
Volto para a cama acolhedora, minha esposa dorme tranquilamente.
E eu mergulho em orações até que o cansaço dos trabalhos do dia me traga novamente o sono.
A velhice me incomoda, não pelo aproximar-se da morte — acredito na vida eterna e nas reencarnações e, por isso, não tenho medo —  mas porque ela pode deixar meus entes queridos sem as condições de conforto que vivem atualmente: sou um aposentado da iniciativa privada que, como milhões de outros, precisa continuar  trabalhando.
E no meio dessas elocubrações que só abrem feridas, resolvi assistir , por sugestão dos amigos regateiros, Elizete e Val, ao filme O curioso caso de Benjamin Button.
Benjamin é baseado no conto de Scott Fitzgerald e conta como seria viver de trás para a frente : dos oitenta anos até a primeira infância.
Ao longo dos seus 166 minutos, Benjamin narra, por meio de um diário, a sua saga: uma criança que nasceu diferente, rejeitada ao nascer, e que encontra amor e carinho numa espécie de abrigo/hotel para idosos. É interessante notar como existem diversas semelhanças entre as duas fases da vida: a de um recém-nascido e a de um idoso.
Brad Pitt e Cate Blanchett estão impecáveis, independentemente de qual seja a fase da vida, o que faz o filme, apesar de longo, fluir com naturalidade, mantendo a linha de interesse do expectador até o final, mesmo que já soubesse o que ia acontecer.
Foi bom conhecer Button, mas deixou-me mais ainda incomodado.
Percebi que, qualquer que seja o percurso de uma vida, o que irá valer , e fazer a diferença , será sempre o tempo e o espaço intermediários.
Modestamente, tenho vivido muito bem entre esses dois extremos. Poeta e professor,  vou deixar minhas marcas na vida de milhares de pessoas, e serei imortal, se forem imortais as almas.
Não sei o que valerão — quando o tempo e as doenças minarem as forças do meu corpo físico — as horas dedicadas à cultura de minha cidade, os poemas que escrevi e as fotos que cliquei, os livros que publiquei, os longos serões preparando aulas e corrigindo provas, os títulos recebidos, as presidências exercidas, os artigos escritos, as antologias divididas.
Só sei que no início , ou no final — tanto de minha vida quanto a de Benjamin — sempre usaremos fraldas e, com toda a  certeza, como nada sei sobre meus primeiros anos, nada, se de mim tiver Deus piedade, saberei dos últimos.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO

 

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