“Medo de morrer, medo de viver”.
Eduardo Galeano
Numa reportagem divulgada pelo Fantástico , da rede Globo, em 23/10/2005, um instituto de pesquisa dos Estados Unidos entrevistou 11.453 pessoas do Brasil e de outros nove países sobre os grandes medos de cada uma. O resultado foi revelador: as pessoas têm mais medo de ficar doentes do que de morrer !
Numa sala de aula, em Ribeirão Preto, alunos de doze anos, de um sétimo ano do Ensino Fundamental, escreveram ( cada um com direito a expor 5 motivos) sobre o assunto, sob orientação da Profa. Dra Vera Lúcia Hanna. E, pelo menos por aqui, e nessa faixa etária, o medo maior, acreditem, foi o de perder um familiar, um ente querido: dezoito, de um total de 22 alunos.
Possivelmente o motivo desse medo esteja ligado ao medo da solidão : 13 alunos.
O outro medo é o de não conseguir atingir seus objetivos, profissionais ou educacionais, ( 14 alunos) , vindo , somente então , o medo da morte ( 10 alunos). Talvez o menor medo da morte advenha da pouca idade dos entrevistados: ainda se julgam eternos.
Ser assaltado ( 8 alunos) , ficar inválido ( 9 alunos) e perder a liberdade(4 alunos) , completam a lista dos mais votados, seguidos por único voto pelos que têm medo de : pensar até enlouquecer / descobrir que todos estão mentindo / perder a fé / chuvas e tempestades / escorpião, rato e aranha / perder o gosto pela vida / sofrer por amor / escuro / voar de avião / pessoas mortas / pesadelo à noite / ficar careca / do futuro / não saber o que existe após a morte.
Segundo Hobbes , que viveu no século XVII, o conflito no ser humano é perpétuo, e “cada homem é inimigo de outro homem” . Nesse estado de guerra, nada de bom pode surgir. Enquanto cada um se concentra na autodefesa e na conquista, o trabalho produtivo é impossível. Não existe tranquilidade para a busca do conhecimento, não existe motivação para construir ou explorar não existe lugar para as artes e letras, não existe espaço para a sociedade: só “medo contínuo e perigo de morte violenta” . Então a vida do homem nesse estado será “solitária, pobre, sórdida , brutal e curta”.
As crianças podem não conhecer as teorias de Hobbes, mas sentem na própria pele os problemas gerados na luta pela sobrevivência que seus pais enfrentam — isso com ou sem a famosa crise atual — e não conseguem dedicar-se devidamente à vida escolar.
A ausência diária dos pais, e os encontros fugazes, parecem-me antecipar para as crianças quão difícil a vida se tornará com uma possível ausência definitiva deles, tendo em vista saberem as crianças o quanto é difícil cumprir suas obrigações diárias de estudante e conseguir chegar aos objetivos sonhados frente à concorrência em ENEMs e vestibulares.
As inseguranças das relações familiares e amorosas, a falta de perspectiva diante do futuro, os riscos sempre reais de doenças, atropelamentos e violência urbana, acirram ainda mais a concorrência entre humanos e, com ela, o medo da solidão ( por motivo de doenças e outros) , maior ainda que o medo da morte: pois, com a morte , ( talvez o motivo do resultado da pesquisa dos Estados Unidos) existe a esperança de que tudo se acabe.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA:
O artigo do poeta e cientista social, Tórtoro, é uma radiografia perfeita dos conflitos familiares, do sofrimento das crianças e adolescentes e do medo da solidão.
Os dramas da vida moderna estão aí, com perfeição de quem conhece a alma humana.
É imprescindível ler o professor Tórtoro nos fins de semana.
Corauci Sobrinho – Ex-deputado Federal.