“com a boca inchada de macaúba e uma vontade louca de não morrer sem ver Paris”
Música popular
No dia do aniversário de minha esposa, com quem sou casado há mais de trinta anos, senti vontade de dar a ela um presente: uma joia, ramalhete de rosas, jantar romântico, um perfume.
Acabei dando um longo beijo e um abraço cheios de amor, acompanhados de palavras que moram em meu coração, eternamente apaixonado por uma mulher excepcional: era o que estava, no momento, à altura de meu bolso.
Passar alguns terríveis dias num hotel de luxo, no Tivoli Eco-resort Praia do Forte, na Bahia, com todas as mordomias pagas, nem pensar: seria um tremendo sacrifício só suportado por magistrados.
Sonhei delirantemente até com uma viagem romântica: a Paris.
A vontade surgiu quando assisti, na noite anterior, à apresentação do programa Toda Sexta, com Adriane Galisteu — única opção televisiva de entretenimento às sextas-feiras — e, com a anfitriã, passei por recantos do berço do rio Sena: Torre Eiffel, Champs-Èlysées, Arco do Triunfo, Museu do Louvre…
A mesma vontade desapareceu quando me lembrei do meu salário de professor, dos compromissos assumidos na praça, das contas a pagar, do microssaldo bancário, e foi imediatamente substituída por uma avalanche de indignação e revolta ao ver as notícias na mídia : Suplicy usou cota para viagens da namorada…a Paris, e Heloisa Helena contemplou passagens aéreas para seu filho.
Parece-me que todos os caminhos do mundo levam a Paris: menos o meu e o de minha amada.
Ir a Paris é, para os políticos de Brasília , como ir , para nós, de Ribeirão Preto, ao Distrito de Jurucê, comunidade vizinha, simples e acolhedora: vão e levam namorada, amante, esposa, filhos , filhas, tia, tio, sogra, cachorro, gato, periquito, papagaio.
E o mais triste é que eles se locupletam com o dinheiro suado que todo ano pago ao Leão da Receita, direta e indiretamente, e que não permite, ao menos, que eu possa passar, anualmente, uma semana numa praia qualquer do litoral paulista: apesar de me permitir ir para Jurucê.
Enquanto isso, satisfaço-me com imagens mentais — que sempre me permitiram criar a minha Paris particular — produzidas pelas músicas, obras literárias, as peças teatrais, os documentários, filmes e revistas, na esperança de que , quem sabe um dia, eu acerte todos os números da Tele-sena ou da Mega-sena.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO