Trabalho num colégio que acaba de completar 30 anos de existência, e, dentre seus pontos de maior agitação, está a sua biblioteca: uma casa de Irene onde os jovens e crianças se encontram e se distribuem, em grupos ou individualmente, para ler, fazer trabalhos escolares, pesquisar via Internet , utilizar disquetes educacionais (acervo multimídia) , atualizar-se por meio de jornais e revistas (locais e de circulação nacional) , divertir-se com histórias em quadrinhos.
Nossa biblioteca tem, em seu acervo, coleção didática e paradidática que busca refletir os programas de estudo e de currículo adotados na escola, cumprindo, assim, sua parcela de responsabilidade no processo ensino-aprendizagem: e tudo sob o olhar atento de uma funcionária — Bacharel em Direito, que orienta, sugere, indica, busca e supre as necessidades dos frequentadores e que mantém a ordem e a disciplina mínima para o bom andamento desse espaço escolar.
Uma bibliotecária, portadora do devido CRB, orienta, quando necessário, os trabalhos de organização e administração desse local, que conta com um programa digital de controle de acervo e um espaço cultural para exposições das diversas artes produzidas por nossos educandos sob a orientação de docentes que sabem, e o fazem com frequência, como utilizar o potencial educacional desse ambiente de descontração e acolhedor, cientes da importância da pesquisa escolar como processo de busca e ferramenta prioritária para adoção de novos paradigmas: conscientização de que os alunos vivem em uma sociedade onde a abundância de informação traz a necessidade de selecionar, coletar, explorar e avaliar as informações.
Sabemos que, em geral, inexistem políticas na área da Educação, programas definidos de implantação e implementação de bibliotecas escolares. Sabemos que, segundo dados estatísticos ( texto de Cássia Furtado : A biblioteca escolar brasileira no sistema educacional da sociedade da informação) sobre educação no Brasil, apontados no Livro Verde (IBICT,2000) , somente cerca de 25 % das escolas da rede pública possui biblioteca e sabemos, também, que, para uma rede escolar constituída por mais de 220.000 escolas, o número de bibliotecários formados não ultrapassa 25.000.
E foi diante desse quadro que recebi a visita de uma representante do CRB – Conselho Regional de Biblioteconomia – 8ª. região: pela primeira vez, em mais de dez anos.
E ela queria conhecer a nossa biblioteca e saber como ela funciona, se é r5egistrada no CRB, e se tínhamos uma bibliotecária cujas competências estivessem de acordo com Leis, Decretos, resoluções, 4084, 56725, 9674, 033…
Advogado do diabo, eu perguntei: e se não tivermos ?
E a resposta foi: vamos sensibilizar e orientar os responsáveis pelo colégio sobre a importância da biblioteca escolar.
Respondi: e se o colégio não quiser ou não tiver possibilidade de atender às suas orientações ?
Ela respondeu : será aplicado ao colégio o que estabelece a legislação em vigor.
Concluí: então , de acordo com o CRB, que a senhora representa, pouco importa se uma biblioteca funciona ou não, pouco importa se os alunos estão tendo oportunidade de ler ou não : o mais importante é que a biblioteca , e uma profissional, estejam registradas no CRB — ou seja, a garantia de arrecadação de taxas e outras cobranças mais.
E eu me pergunto: quantas escolas públicas, em 2009, já foram visitadas por representantes desse conselho ? Quantos bibliotecas foram criadas em Ribeirão Preto, por ações objetivas desse conselho ? Quantas bibliotecas estão deixando de ser criadas, ou fechando, devido a essas cobranças legais, incompatíveis com nossa realidade escolar ?
Participei , na época de Galeno Amorim, na Secretaria da Cultura, do processo de criação de oitenta bibliotecas — inclusive tenho meu nome divulgado em uma delas — coordeno uma delas num clube recreativo e colaboro, quando solicitado, com doações para diversas pequenas bibliotecas coordenadas por abnegados que, distribuídos por nossa cidade, estão pensando, primeiramente, em dar condições de acesso ao livro ao maior número possível de leitores para, só depois, impor condições legais ao funcionamento delas, imposições essas que têm como objetivo imediato, garantir empregos a uma determinada categoria.
Acredito que, quando suficientes forem as bibliotecas existentes, e realmente for fundamental a utilização de profissionais formados em universidades, para que elas desempenhem seu papel social, não haverá necessidade desse tipo de achaques.
Habemus biblioteca em nosso colégio , e sem ajuda alguma de governo ou de qualquer tipo de conselho: deixem trabalhar as escolas.
E que tal o CRB movimentar-se junto ao Governo Federal para que os ministérios da Educação e Cultura criem novas bibliotecas e destinem verbas para alocar um bibliotecário profissional para cada uma das bibliotecas existentes no país ?
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA.
É incrível, meu caro Tórtoro, como essa gente parece desconhecer o problema do livro e da leitura no Brasil. Essa visão burocrática/arrecadadora não só emperra iniciativas como a de seu Colégio, como também inibe e atrapalha o espontâneo trabalho de criação de novos leitores, do amor pelo livro e por extensão da Literatura. Esse oficialismo só atrasa o processo pedagógico e sepulta iniciativas honestas e felizes de estímulo à leitura. Parabéns pelo seu texto, especialmente pela forma objetiva e corajosa de se posicionar contra essa tola ingerência. Precisamos de menos pessoas fiscalizando e mais pessoas estimulando e criando condições para o incremento da leitura, especialmente para a formação de novos leitores. Penso que a formação de leitores é a grande arma para combatermos o analfabetismo funcional. Se esse povo permitir, claro.
Abraços.
Antonio Cassoni