“Marcelino pega a atoalha, o sabão e vai se lavar…”.
Quando criança, na década de 50 , aprendi que o Cristo morreu na cruz ao meio-dia da Quinta-feira Santa. A partir desse horário, em minha casa, não se ouvia nenhuma música, nenhum grito, nenhuma conversa em tom mais alto, nenhuma risada: respeito absoluto.
Talvez por isso, até hoje, minh’alma fica de luto antes da Sexta-feira da Paixão, e, apesar de todo o ritual religioso da ressurreição, a sensação de perda me acompanha até a noite do Domingo de Páscoa.
Na mesma época (1955) foi lançado Marcelino Pão e Vinho, um filme sobre um pequeno órfão que, quando bebê, deixado na porta de um mosteiro, foi criado e bem cuidado pelos monges, mas, mesmo assim, sempre sentiu falta de sua falecida mãe. Num certo dia, ele encontra um amigo especial no sótão proibido, apesar dos avisos de Frei “Mingau” que dizia haver lá em cima um homem grande que poderia levar Marcelino embora, para sempre.
Esse amigo, belo moço ferido, pendurado em uma cruz — a quem o pequeno órfão sempre levava um copo de vinho e um pedaço de pão, surrupiados da dispensa do convento —, resolveu um dia levar Marcelino para encontrar-se com sua mãe e a Mãe Dele.
Sob as vistas de Frei Tomás, que o havia criado, Marcelino deitou-se sobre os joelhos do Cristo descido da cruz, e mergulhou num sono sem fim: com aquele sono, Jesus levou Marcelino para o céu, para junto de sua mãe.
Os frades — Frei “Porta”, Frei “Batismo”, Frei “Doente”, Frei “Dim-dão”, Frei “Farinheiro”, todos apelidos dados por Marcelino, a cada um, de acordo com suas funções ou características — acudiram pressurosos ao chamado aflito de Frei Tomás. Subiram as escadas. Mas quando chegaram ao sótão, tudo voltara ao normal. À luz de uma janelinha que iluminava o local, viram, pregada na cruz, a imagem de madeira do Cristo, macilento e agonizante: só Marcelino repousava nos braços da velha poltrona, ao lado da cruz, adormecido no sono do qual não acordaria mais.
Talvez, por isso, nos dias da Semana Santa, sinto uma vontade imensa de ter um sótão igual ao desse convento: um lugar para ficar só, refletindo, meditando, lendo muito , ouvindo boas músicas, longe da TV , longe de pessoas estranhas , do telefone , do computador e do celular.
Mas ao mesmo tempo necessito da presença de minha esposa, dos meus filhos, e, com eles, saborear um delicioso bacalhau , acompanhado de um bom vinho.
Gosto, depois, de me recolher ao Sanctum Rosacruz, para ler num português antigo, a “Synopse Evangelica” , escrita em 1911, que ganhei de meu pai: é quase um ritual que já dura anos.
E após a Páscoa, num eterno sonho de Marcelino, continuo à espera de que um dia teremos um mundo melhor, renovado no sangue do Cordeiro.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIO SOBRE O ARTIGO:
Caro amigo:
em cada artigo você se supera (se é que é possível).
Neste artigo, você trouxe de volta a linda história de Marcelino Pão e Vinho, interpretado no cinema por PABLITO CALVO.
Uma lembrança que me emocionou, fazendo-me cantarolar a velha música tema do filme.
Mais ainda, fez retornar o respeito e a devoção da Semana Santa de nossos tempos.
Parabéns amigo.
Você é realmente extraordinário.
Abraços,
Deputado Estadual Corauci Sobrinho