ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

“É por meio da gravata que o homem se revela e se manifesta”

 

Honoré de Balzac

 
Quando chega o crepúsculo de uma sexta-feira, deixo minha sala de Orientador Educacional e percorro, quase que num ritual semanal, os longos corredores do meu colégio até chegar ao estacionamento, densamente arborizado e que acolhe saguis e pássaros de diversas espécies que me recebem com seus cantos embalando um sentimento profundo de dever cumprido.
É como sair, ao final de cada semana,  de um filme, uma longa e apaixonante película real.
E foi talvez por isso que, ao tomar conhecimento, lendo jornais, da existência de um livro, “Entre os muros da sscola” — romance de François Bégaudeau , autobiográfico, que originou o filme de Laurente Cantet , Palma de Ouro no Festival de Cannes no ano passado —  resolvi ler a obra que já vendeu 170 mil exemplares na França.
Pensei comigo: se esse é um livro que trata de problemas originados pela diversidade de linguagens e universos, espelhando os conflitos de qualquer sala de aula do mundo, de comportamentos excedidos de professores, funcionários e alunos, dificuldades individuais e sociais de integração recorrentes em cidades cosmopolitas e miscigenadas, dentre uma série de outros assuntos, então é um livro que fala da minha realidade, não importando sem em Paris ou em Ribeirão Preto.
E assim pude, em dois dias, nas 260 páginas que contam a história de um professor de Francês, em Paris, encontrar dificuldades e problemas comuns entre as duas escolas.
Pude  reencontrar alguns de meus professores em Bastien, Luc, Giles, Chantal, Fracois, Julien, Line, Léopold, Rachel, Sylvie. Revi em Dico, Frida, Souleymane, Amar, Djibril, Sandra, Hinda, muitos dos alunos que passam diariamente pela minha sala.
Comparei, refleti, questionei posturas deles, alunos e professores franceses,  do diretor Pierre e dos coordenadores Christian e Serge : os problemas, aqui e lá,  são quase  iguais, porque aqui não implicam diferenças raciais e étnicas,  por isso as soluções na minha escola são diferentes por implicarem resolver diferenças de criação, de formas de convivência familiar, de maneiras diversas  de ver a Educação por parte do Colégio e dos pais de alunos.
Na escola de Bérgaudeau, os alunos, suas idéias e posturas são identificados pelas suas camisetas e pelas mensagens nelas divulgadas, a dificuldade de comunicação vem da diversidade de línguas e dialetos, a reciprocidade de tratamento é questionada pelos alunos, e o senso de justiça está à flor da pele dos adolescentes.  Entre os professores, as mesmas queixas, os mesmos comentários de qualquer sala de professores sobre turmas e alunos-problema, enfim, as dificuldades de uma  profissão que está constantemente educando no presente, com fórmulas do passado, tendo em vista um futuro que se desconhece: e o desencontro de gerações.
Aqui, com o uso de uniformes, as diferenças se constroem pelo corte de cabelo, grife do tênis, marca do celular, uso ou não do brinco, boné, óculos — já que não se usa mais a gravata. A dificuldade de comunicação , em alguns momentos, é pela falta de leitura e vocabulário por parte de crianças e adolescentes, criando às vezes situações até cômicas devido à interpretação de palavras utilizadas por algum professor mais, digamos, culto.
Enfim , ler Entre os muros da escola  é como ver-se em vídeo, em diversas e múltiplas situações, e permite refletir ao fazer rever situações de sala de aula: vale a pena para quem, como eu, ama o que faz, e até no lazer diverte-se com temas vinculados à  Educação.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO

 

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