Assistindo ao Fantástico, vi uma reportagem em que a jovem Daniela Bortman partia para Pequim a fim de ser consultada pelo polêmico Dr Huang Hongyun.
Daniela é filha de um neurocirurgião, que trabalha há 25 anos , Alberto Bortman.
Dr Hongyun é criticado por estar fazendo experimentos em seres humanos, utilizando-se de células-tronco.
Durante o programa, a geneticista da USP, Lygia Pereira, diz que o grande problema do trabalho do cirurgião chinês é a falta de transparência: ele cobra e trata sem mostrar seus dados para a comunidade científica.
Por que será que o Dr Alberto, pai de Daniela , não tem o mesmo pensamento ?
É simples: ele sente, na própria pele, o que é ter uma filha dependente da maldita burocracia científica. Se Lygia Pereira tivesse um ente querido nas mesmas condições, com certeza, não acharia o trabalho do Dr Hongyun uma caixa preta, como afirma na mesma reportagem.
É o caso da Severina, mãe de uma criança com malformação, moradora dos arredores do Recife, e que, por força da lei, levou até o final uma gravidez torturante, cujo final se resumia em sepultar um natimorto, e cuja saga levou-me às lágrimas ao ler o artigo de Eliane Brum, na revista Época, de 1º. de setembro.
Se cada um dos 11 ministros do Supremo tivesse um caso desses na família, tenho a certeza de que seus julgamentos seriam bem diferentes.
Eu gostaria muito de que cada líder religioso que possui o poder de se impor ao corpo de leis de um estado laico, não ateu, sentisse na pele ter uma filha ou neta grávidas, nas condições da mãe Severina.
Os religiosos radicais não conseguem, ou não querem , enxergar o sofrimento dos seus semelhantes: são modernos fariseus colocando na cruz filhas de Deus, em nome de um Deus que , sinceramente, não reconheço como tal.
É simples: sem cérebro não há vida. E ponto final.
Não consigo entender qual a fonte de tanto masoquismo, não consigo entender qual o prazer que pode sentir alguém ao ver o sofrimento, por nove meses, de um outro ser humano.
Existem pessoas sádicas, haja vista o uso do cilício e outros tipos de mortificações corporais e mentais . A essas pessoas a lei protege: podem levar a própria gravidez até às últimas conseqüências e ter a discutível satisfação de ver, por alguns momentos, a massa inerte e a face deformada de um corpo que nem ao menos vida animal terá: vegetará.
Há gosto para tudo.
Eu só espero que, um dia, nossos Juízes possam voltar seus olhos para os crucifixos que decoram os salões principais do nosso Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, e que se lembrem das palavras do mártir crucificado: a César o que é de César.
Estado e Religião têm domínios distintos e , não sendo reciprocamente impermeáveis, concernem a objetos próprios.
A ciência evoluiu. Não podemos afirmar isso sobre a maioria das religiões.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIO SOBRE O ARTIGO ACIMA:
Ao Prof. Antonio Carlos Tórtoro. Olá professor, li seu artigo na revista Evidência, edição de setembro sobre a difícil batalha da ciência contra a “BURROcrática” posição daqueles que detêm o poder de decidir sobre a sorte das pessoas que ainda nutrem, com muita dificuldade, a esperança de conseguir a cura pelos resultados das pesquisas no campo das células tronco. Parabéns pelas palavras porque o senhor disse tudo que está entalado na minha garganta! É mesmo como disse: o que falta é um caso desses na vida familiar de cada um desses que atrasam os trabalhos dos profissionais que trabalham exaustivamente por essas causas.
João Domingos Lança