DESTRUA ESTE DIÁRIO: VANDALISMO LITERÁRIO

Acabo de receber das mãos de minha amiga e Doutora em Literatura, Profa. Vera Hanna, um exemplar do “livro” Destrua este diário, de Keri Smith.
Coloco a palavra livro entre aspas por que ele não é um livro: poderá ser um brinquedo ou uma granada.
Nas mãos de uma criança — que não tem noção do valor intrínseco de uma obra literária —, sem dúvida alguma será divertidíssimo obedecer às diversas sugestões da autora, e ver um livro deixar de ser um livro, transformando-se em um punhado de papel destroçado e imundo.
Mas nas mãos de jovens em formação, passar o conceito de que criar é, afirmativa e conclusivamente, esculhambar — como é feito na apresentação do livro — reputo quase que irresponsável tendo em vista que esculhambar pode ser brigar, quebrar, estragar, bagunçar, arruinar, infeccionar, desgovernar, pestear, desmoralizar, marretar, destroçar, debochar, prostituir, ulcerar desbaratar corromper empestar escangalhar desencaminhar destroçar, viciar, depravar, infectar, malignar, infeccionar, extraviar, deturpar, descaminhar.
E nem sempre o ato de criar é só isso.
Depois, no aviso inicial, a autora informa que o livro tem como por objetivo que os leitores comecem a ver destruição criativa em TUDO.
É óbvio que qualquer leitura ou prática que leve alguém a ver a possibilidade de destruição criativa em TUDO, estará levando o leitor a um passo de pensar que TUDO pode ser destruído de forma irresponsável e inconseqüente, como se fosse um livro.
Sugere ainda que o leitor comece a viver de forma temerária, ou seja, de forma arriscada, sem medir as conseqüências, como se, simplesmente,brincasse com um livro.
Numa entrevista dada pela autora à Penguin Books, ela parece não perceber que seu livro ao incentivar o que ela chama de pequenos atos de rebeldia realizados no quotidiano e que podem acabar virando atos maiores, capazes de transformar vidas, podem colocar essas vidas em situações desesperadoras caso não haja o senso crítico baseado na experiência de vida que, em geral, o jovem ainda não tem.
Ela critica, com razão, nosso sistema de ensino que se baseia em aprender a agradar e obedecer aos professores, o que faz dele uma instituição ultrapassada e disfuncional, mas não percebe que os jovem ( e a maioria de seus milhões de jovens leitores têm feito, sem questionamento ) simplesmente estão obedecendo ordens: as dela, destruindo algo sem um objetivo final, como se participassem de um processo de “desprogramação” irresponsável que só leva à destruição sem a respectiva reconstrução.
Nessa entrevista ela vê como motivo de riso a afirmação de um crítico: “Os livros de Keri Smith podem destruir anos de educação dada pelos pais !”, apesar dela perceber que “o maravilhoso foi ver a diferença na forma como ele foi recebido por adultos e por crianças”. Mas, ao mesmo tempo, parece não perceber que justamente é esse o ponto a ser refletido: a quem poderá o livro ajudar ou prejudicar na formação ?
Destruir o que está posto, sem um objetivo responsável de recriar, desprezando ( como ela o faz na entrevista mencionada) os valores de uma vida inteira de costumes sociais, pode dar bons e maus resultados: nazismos, fascismos ou então modernismo, cubismo, e outros ismos que escreveram a história da humanidade.
Enfim, dependendo das mãos em que caírem as páginas do Destrua este diário, elas poderão continuar , como o nosso sistema educacional, formando pessoas que não pensam antes de obedecer, achando que as decisões que tomarem não passarão, sempre , de uma grande “zoação”, como costumam chamar qualquer tipo de quebra das convenções.
E não bem assim que funciona.
Mas não posso deixar de dizer que o trabalho de Keri Smith e seu livro destroçado deixou-me tão incomodado quanto a leitura de Nada, de Janne Teller e sua pilha de significados.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@ Yahoo.com
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