LI E GOSTEI: CEGUEIRA MORAL

CAPA-DE-CEGUEIRA-MORALDEBATE SOBRE UM PARADOXO

“Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez conscienciosa”

Martin Luther King

Tomei conhecimento do livro Cegueira Moral — um diálogo epistolar entre os autores — do grande pensador Zygmunt Bauman e do filósofo Leonidas Donskis, ao vê-lo nas mãos de Esther, personagem de Regina Duarte na novela Sete Vidas: novela também é cultura.
Eu já li , do mesmo autor, 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno e fui conquistado pelo conceito de “liquidez” do tempos modernos.
Bauman é um perspicaz analista dos fatos cotidianos, um sociólogo com vasta obra sobre temas contemporâneos.
Como diz Leônidas Donskis: “ O tempo histórico da teorização de Bauman não é linear, mas pontilhista. A forma de sua história não é constituída pelos grandes desse mundo, mas pelas pessoas comuns. Não é a história dos grandes pensadores, mas da marginalização do home comum. A simpatia de Bauman está, de forma manifesta, do lado dos perdedores da modernidade, não de seus heróis. Nunca saberemos seus nomes”.
Só para atiçar no meu leitor a vontade de ler Cegueira Moral, seguem alguns parágrafos interessantes da obra:
“Recusando-se a se juntar ao Facebook, você perde amigos. Então, eu posso transmuta-se em eu devo. Posso, logo, sou obrigado a. Dilemas não são permitidos. Vivemos numa realidade de possibilidades, não de dilemas. Os que relutam em ingressar são ensinados ( em geral do modo mais duro) que a versão atualizada do Cogito de Descartes é ‘ Sou visto, logo sou’ — e quanto mais pessoas me vêem, mais eu sou…”.
“ A modernidade sempre foi e continua sendo a ser obcecada com uma forma de controlar ao máximo o corpo e a alma humanos sem exterminar fisicamente as pessoas”.
“…infindáveis escândalos políticos reduzem ou eliminam de todo a sensibilidade social e política das pessoas. Para que uma coisa agite a sociedade, deve ser realmente inesperada ou brutal”.
“Ludwig Wittgenstein observou que o sofrimento de certo número de pessoas, ou mesmo de toda a humanidade, não pode ser maior — mais agudo, profundo e cruel — que o sofrimento de um único membro da raça humana”.
“Vivemos numa era de fragmentos sonoros, não de pensamentos. A primeira vítima de uma vida apressada e da tirania do momento é a linguagem — atenuada, empobrecida, vulgarizada e esvaziada dos significados de que seria portadora…”.
”Qualquer criação é quase inimaginável se não for precedida ou acompanhada por um ato de destruição. As pessoas nas ruas pressagiam a mudança. Mas será que também prenunciam a transição? E transição significa mais que mera mudança, significa uma passagem do aqui para o lá “.
“A cultura é o sedimento da tentativa de tornar suportável a vida com a consciência da mortalidade. Desde os primórdios da cultura, a através de sua longa história, seu motor tem sido a necessidade de preencher o abismo que separa transitoriedade e eterno, finitude e infinito, vida mortal e imortalidade…”.
“A incerteza e a vulnerabilidade humanas são os alicerces de todo poder político…”.
“O que nós, em nossa política pós-moderna, tratamos como questões públicas com muita frequência são problemas privados de figuras públicas”.
“Vivemos não apenas numa era de inflação monetária, mas também de uma inflação — portanto, desvalorização — de conceitos e valores”.
“Receio que durante as próximas décadas as disciplinas humanísticas que não tenham sido dizimadas, deformadas, restringidas ou esvaziadas continuem a existir somente na universidades de elite da Europa e dos estados Unidos”.
“Na vida ‘agorista’ do ávido consumidor de novas experiências, a razão para correr não é o impulso de adquirir e acumular, mas de descartar e substituir”.
“Embora uma atitude consumista possa lubrificar as rodas da economia, ela joga poeira nos vagões da moralidade”.
“ ‘Mercados’ é o termo taquigráfico para designar forças anônimas e sem face nem endereço, forças eleitas por ninguém e que ninguém é capaz de restringir, controlar, orientar”.
“O romance de Houellebecq expõe a morte de Deus de maneira bastante inesperada: Ele morrer quando se eliminam os laços humanos e sociais”.
Enfim , quanto mais frágeis se tornarem nossa capacidade de conviver com o outro e nossa conexão com ele, mais feroz será a busca pela identidade. Eis o paradoxo do mundo atual a ser debatido.
Em Cegueira Moral, Zygmunt Bauman — o maior pensador social contemporâneo — faz uma análise brilhante desse novo mal que assola nossa época e nos anestesia perante o sofrimento alheio. Uma leitura fundamental e de grande interesse para todos aqueles que se preocupam com as mudanças mais profundas que, silenciosamente, moldam a vida dos homens na modernidade líquida.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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