EU TENHO UM TIO ÁUREO

Quem é fotógrafo sabe que o Ponto Áureo é o ponto que se enxerga primeiro ao visualizarmos algo.
Numa fotografia você pode localizar os pontos áureos dividindo a foto em nove partes iguais ao traçar, em paralelo, duas retas horizontais e duas retas perpendiculares sobre ela: os 4 pontos de intersecção entre as quatro retas traçadas são os chamados pontos áureos.
Sou fotógrafo e professor de Matemática e sempre me encantou saber que um ponto não tem comprimento, largura ou altura/profundidade: mas sabemos que dois pontos determinam uma reta — com comprimento — duas retas determinam um plano — com comprimento e largura — e dois planos determinam uma figura espacial — com as três dimensões.
Vai daí que gostei muito quando li as seguintes considerações do grande pensador Zygmunt Bauman sobre o ponto: “ Os pontos são antes do espaço e do tempo. Num ponto, as dimensões do espaço e do tempo ainda estão por nascer ou emergir. Mas, tal como ocorreu com aquele ponto singular que se transformou no big bang, do qual se originou o Universo, como postula a mais atual cosmogonia, presume-se que cada ponto tenha um potencial de expansão infinito, assim como infinitas possibilidades à espera de explodir, caso sejam inflamadas. E não há modo algum se prever o que irá ocorrer a partir dos pontos que o precederam. Desse modo, pode-se suspeitar ou acreditar que cada ponto esteja impregnado da possibilidade de outro big bang“.
Meu Tio Áureo é um ponto pronto a eclodir em forma de velhas histórias e piadas, é uma figura, não geométrica: um ser humano com 89 anos que invade espaço e tempo com um bom humor de dar inveja.
Posso garantir, por experiência própria, que Áureo anima até velório.
Nós nos encontramos durante os dias em que meu pai, irmão mais de velho de Áureo, ficou hospitalizado por uma semana e veio a falecer.
Como todo idoso, gosta de falar do passado, e nós, seus familiares, temos que ouvi-los porque falam de coisas que não vivemos, mas que são partes de nossas vidas.
Fiz então, de propósito, explodir um big bang de fatos ao perguntar sobre o passado dele com o irmão mais próximo, Claudio, o Dinho, meu pai: e então pude sentir o potencial de expansão infinito, assim como infinitas possibilidades de fatos e versões de nossa história, de modo algum podendo prever o que iria ocorrer durante a conversa que rolaria solta.
Falamos sobre o bisavô deles que tinha, na época, uma doença incurável, asma, e que, por isso, ameaçava sempre acabar com a própria vida. E o fez aos sessenta e poucos anos com um tiro na cabeça utilizando uma garrucha de dois canos. Mas o fato cômico, se não fosse trágico, é que, Áureo e Claudio, ambos crianças vivendo em plena Revolução Constitucionalista de 32, disputaram, correndo pelas ruas da cidade, quem seria o primeiro a contar para minha avó, Ida, como um trunfo, que o pai dela havia cometido suicídio: quando entraram no quarto da casa, anunciaram aos brados que o nono estava morto. Ida amamentava, naquele momento, o terceiro filho…desmaiou com o bebê no colo…
Contou que foi “cantado” por Olivia, noiva do meu pai, numa viagem a São Paulo, num dos trens da antiga Mogiana, mas recusou-se a ceder aos encantos da bela jovem que acabou traindo o irmão Claudio com um dentista: foram apanhados no escurinho do cinema.
Contou sobre as “históricas” e divertidas pescarias com o irmão mais velho e a visita que fizeram à inauguração da Usina de Peixoto, construída pela Companhia Paulista de Força e Luz em 1957: contou que tirou foto com um peixe enorme, apanhado dentre os milhares que ficaram sem a água do rio Grande após fechamento da barragem.
Comentou como vendeu a bicicleta para pagar os gastos com o casamento de meus pais: Claudio e Terezinha.
Enfim, Áureo, meu tio, é uma história viva dos Tórtoro, e uma face divertida dessa família que chegou ao porto de Santos no dia 7 de outubro de 1895, vindos de Salerno, sul da Itália, trazidos pelo bisavô dele, Andrea Tortora.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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