TORTURA DO BEM OU SCHADENFREUDE ?
“Uma grande guerra deixa o país com três exércitos — um exército de aleijados, um exército de enlutados e um exército de ladrões”.
Provérbio alemão
No artigo A tortura que dá certo, na verdade, dá errado, de Eugênio Bucci, revista Época sobre os defensores do sadismo de resultado que afirmam existir uma “tortura do bem” , ele escreve que: “ …atentar contra a integridade física de um prisioneiro constitui um ato incompatível com a civilização, seja qual for a situação hipotética, imaginada pelos entusiastas do pau de arara”.
Acabo de ler O piloto de Hitler – a vida e a época de Hans Baur, 439 páginas, de C.G. Sweeting , editora Jardim dos Livros e, por incrível que possa parecer, o que mais me indignou foi a tortura sofrida por esse alemão nas mãos dos russos, tendo que confessar algo que, realmente, não sabia: para onde ele poderia ter levado Hitler após o final da guerra.
Hans Baur — um homem de fé inquebrantável em Hitler — era somente o piloto de confiança do ditador, mas por causa do seu trabalho com Hitler e Mussolini, foi acusado de ter ajudado a planejar a guerra contra a União Soviética sendo sentenciado a 25 anos de prisão, passando 10 anos sob tortura diária num campo de trabalho.
Piloto do Führer a partir da ascensão do nazismo, Hans Baur era a sombra de Hitler no céu. Viveu os momentos infernais que incendiaram a Europa. Ele amava o Fürer e os aviões. Sweeting relata em detalhes preciosos todos os dias de Hitler — de glória, delírios diabólicos e megalomaníacos (“tenho o mundo no meu bolso”), e do humilhante fracasso — dede a Primeira Guerra Mundial e sobretudo durante a Segunda.
O autor segue os passos, aliás, os vôos de Baur — e nós leitores com ele — ao mesmo tempo em que registra a evolução do nazismo e o progresso da aeronáutica a serviço da guerra. Hitler, que temia ser morto e escapou de alguns atentados, se sentia mais seguro no ar do que em terra. De 1932 até o fim fez um único voo sem Hans Baur, a quem promoveu a general de brigada do SS.
Ao som da música preferida do Führer, Badenweiller Marsch, a leitura nos faz reviver Guernica, sentir os efeitos da retórica de Goebbels lendo o Der Angriff, participar da terrível Noite dos Cristais, fotografar ao lado de Heinrich Hoffmann, respirar o ar puro do Adlerhorst ( Ninho das Águias), ser espectador da concretização dos planos da “Solução final” , invadir a Europa no Dia D na Normandia, sofrer sob os bombardeios de Berlim e Londres, tomar com Hitler seus 150 comprimidos diários e estar com Eva e ele na sua última refeição.
Mas o mais terrível é sentir que Hitler traiu Baur. Se Hitler fosse realmente seu amigo e grato pelos anos de serviço leal que recebeu de Baur — um homem de família com um bebê de quatro meses — teria ordenado firmemente que ele fosse embora para Munique, ou qualquer outro lugar. Baur não teria alternativa senão obedecer. Em vez disso, Hitler aceitou a decisão de Baur de permanecer no Bunker, onde era inútil, sabendo que ele (Hitler) logo colocaria fim à sua vida, deixando o fiel Baur para trás, tendo que enfrentar os russos. Baur realmente não tinha o que temer do0s Aliados ocidentais e, no final, se viu abandonado pelo homem em quem confiou, pagando o alto preço de passar terríveis anos nas prisões soviéticas.
Ler O piloto de Hitler, enfim, é transitar por entre o luxo do auge do nazismo e os aleijados e enlutados dos países envolvidos no maior conflito mundial de todos os tempos, um cenário de torturas, sempre do mal, apesar de , no caso de Baur, parecer do bem por se tratar de tortura contra um General nazista.
Para mim só mais um caso de schadenfreude : prazer pelo sofrimento dos outros.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br