LINCOLN E SEU CALVÁRIO: ESCRAVIDÃO X LIBERDADE
“Um homem que, por sua própria vocação e força de caráter, ergueu-se da condição de barqueiro do rio Wabash, sem instrução e sem um centavo, à posição que o Sr. Lincoln ocupa hoje não pode ser uma nulidade em lugar nenhum”.
New York Tribune
Em tempos de Semana Santa parece-me que tudo o que vejo está sob um filtro: a imagem de Jesus crucificado.
Não foi diferente quando acabei de ler o livro Lincoln , de Dóris Kearns Goodwin que baseou o filme de Steven Spielberg.
Lincoln viveu seu calvário particular desde o nascimento até sua trágica e violenta morte: terríveis privações na infância, morte dos filhos, a responsabilidade de enfrentar e vencer o horror de uma nação inteira mergulhada numa Guerra Civil que acabou com a escravidão no país.
O poeta Walt Whitman conta que, na virada do século, em 1908, numa área remota e afastada do Cáucaso do norte, Leon Tolstoi, o maior escritor da época, era convidado de um chefe tribal que morava nas montanhas, longe da vida civilizada. Reunindo a família e os vizinhos, o chefe pediu a Tolstoi que contasse passagens da vida dos homens famosos da história. Durante horas, Tolstoi brindou o público atento com narrativas sobre Alexandre, César, Frederico, o Grande, e Napoleão. Quando ele se preparava para terminar, o chefe levantou-se e disse: “Mas você não nos contou nada sobre o maior general e governante do mundo. Queremos ouvir alguma coisa. Ele foi um herói. Falava com a voz do trovão, ria como o amanhecer, e seus feitos tinham a força das rochas. Seu nome era Lincoln e a terra em que viveu chama-se América, uma terra tão distante que, se um rapaz saísse a pé para viajar até lá, ele já estaria velho quando lá chegasse. Fale-nos desse homem”.
“Olhei para eles”, recordou-se Tolstoi ao terminar seu relato, “ e vi seus rostos alvoroçados, enquanto seus olhos ardiam. Vi que aqueles toscos bárbaros realmente estavam interessados num homem cujo nome e cujos feitos já tinham se tornado lendários”. Ele lhes contou tudo o que sabia sobre Lincoln, sua “vida doméstica e sua juventude, seus hábitos, sua influência sobre o povo e sua força física”. Quando terminou, eles ficaram tão gratos pela história que o presentearam com “um maravilhoso cavalo árabe”.
Ao ler a última página escrita pela premiada historiadora Dóris Kearns, senti o mesmo que os ouvintes de Tolstoi e sentindo um desejo imensa de um dia poder ter tocado a mão de Abraham Lincoln.
O livro Lincoln traça a caminhada de um homem que o Herald descrevia, no início de campanha, como “…massa mais desconjuntada, magricela e esquálida, de pernas, braços e rosto anguloso que já se reuniu num único corpo. Ele abusou de maneira injustificável do privilégio da feiúra, concedido a todos os políticos” até à conclusão de Tolstoi : “ Washington foi um americano típico. Napoleão foi um francês típico. Mas Lincoln foi um humanitário, com a abrangência do mundo. Ele foi maior que seu país — maior que todos os Presidentes reunidos”.
É doloroso acreditar que esse grande homem,no teatro Ford da 10th Street, mais ou menos às dez horas e doze minutos da noite do dia 14 de abril de 1865, recebeu em seu camarote a visita de Johm Wilkes Booth que, com uma pistola, mirou a nuca do presidente, e atirou.
Lincoln faleceu às 7 horas e 22 minutos da manhã do dia 15 de abril, nove horas após receber o covarde tiro fatal, e deixando para a posteridade os desejos expressos no refrão de The Battle Cry of Freeedon” : “Liberdade” este lamento de todos os escravos será ouvido. E os tiranos sentirão o aço da espada. As correntes serão quebradas por todos os escravos na terra. Serão para sempre libertos de sua opressão.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
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