VELHAS ABELHAS À BEIRA-MAR
É doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar…
Dorival Caymmi
Dizem que as abelhas velhas, quando sentem que o fim se aproxima, não voltam para a colmeia, e passam a noite em flores, e se tiverem a chance de ver outro nascer do sol, retomam a sua atividade trazendo pólen ou néctar para a colônia.
Elas fazem isso sentindo que o fim está próximo. Saem em seu último voo e não retornam, para não morrer entre as companheiras, para não dar trabalho às que ficam.
É um gesto de amor silencioso — um adeus cheio de sabedoria e respeito.
Andei pensando nisso, idosos que somos, minha esposa e eu.
E compreendo, talvez mais do que nunca, esse gesto simples e profundo das abelhas. Não queria voltar para casa quando minha hora chegasse. Não por desprezo à vida ou por medo da morte, mas por amor. Amor pelos que ficam. Não queria que me vissem apagar devagar, nem que cuidassem do meu corpo cansado.
Eu queria, como as abelhas, seguir meu voo final. Ir com minha esposa Lu para uma praia paradisíaca — dessas que têm o cheiro do sal, o som das ondas, o calor do sol morno da tarde, o som ruidoso das gaivotas .
Eu gostaria de me sentar na areia morna, à beira do mar, de mãos dadas com ela, e esperar. Esperar que a vida nos deixasse ali, quietos, com o vento brincando com nossos cabelos e o céu se fechando devagar.
Deve ser doce morrer no mar, como canta Caymmi. Deve ser leve. Deve ser bonito ter somente as ondas como aconchego final.
Se eu pudesse escolher, seria assim: sem lamentos, sem velório, sem adeuses de corredor de hospital.
Só eu, Lu… e o mar — testemunhando, silencioso, nossos últimos instantes, e juntos.
Talvez essa seja a maneira mais bonita de partir: como velhas abelhas que sabem que o amor também vive no gesto de não pesar.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-presidente da ARL- Academia Ribeirãopretana de Letras
www.tortoro.com.br
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COMENTÁRIO(S) SOBRE O ARTIGO ACIMA:
Caro Sr. Antônio Carlos Tórtoro,
Ao ler “Velhas Abelhas à Beira-Mar”, fui tomado por aquela rara sensação de escutar um sussurro que vem de dentro, mas também de muito longe — como o mar que guarda os segredos do tempo. Seu texto é um convite ao voo final, não como fim, mas como expressão máxima de um amor silencioso e profundo.
Curiosamente, a mesma emoção me atravessou anos atrás ao ler As Crônicas Vampirescas, de Anne Rice. Ali, o vampiro Louis lamenta que “a pior parte de viver para sempre é ter que viver consigo mesmo”. E ao dizer isso, ele revela o fardo não da morte, mas da consciência: o peso de existir sem poder se apagar com leveza. Diferente das abelhas que sabem partir, Louis está condenado a reviver seus erros, seus amores e suas perdas. A morte, para ele, seria um gesto de amor — e justamente por isso, inalcançável.
Do outro lado dessa eternidade, Lestat — o vampiro rebelde — tenta sobreviver buscando o frescor da juventude. Ele se reinventa, se aproxima dos jovens, das novas artes, das modas e da música. Mas sua sede não é apenas de sangue: é de pertencimento, de não ser esquecido pelo tempo. Lestat quer ser eterno e atual — um paradoxo que o condena a jamais repousar.
Seu texto, no entanto, oferece uma terceira via — nem a melancolia de Louis, nem a inquietação de Lestat. O senhor propõe uma rendição amorosa e bela ao tempo. O gesto de se retirar da colmeia, de sentar-se à beira do mar, de aceitar o fim como parte da dança da vida. Essa visão traz uma elevação que falta nos vampiros: o crescimento espiritual que só a finitude oferece.
Como escreveu Anne Rice, em outro momento tocante:
“Nenhum ser que ama verdadeiramente teme a morte. Porque amar é viver duas vezes.”
TON BARBEIRO – meu barbeiro e amigo
Verdade concordo com você, desencarnar no leito de hospital ou na sua casa, é muito triste mesmo. Se pudéssemos escolher, mas às vezes a morte nos pega de surpresa, não dá tempo para escolhermos o lugar.
ROSANA ELIAS – uma grande amiga
Adoraria também partir assim,olhando e ouvindo o mar.. sentindo o frescor da brisa e o perfume da maresia…Aliás tenho um sonho: morar beira mar.. Linda inspiração… Amei.. Parabéns
HELOISA CRÓSIO – uma grande amiga
Muito lindo, mas , amigo, não estão velhos ainda.
Melhor viver cada dia e saborear os momentos felizes.
Meu marido, já bem enfraquecido, segurava minha mão e perguntava:
-Como será que eu vou morrer?
E eu dizia que poderia ser dormindo. Melhor dormir e não pensar, mas agradecer por andar, falar, comer e lembrar-se das coisas boas .
Então eu rezava e ele se aquietava.
Vai com a sua amada Lu para os bailes ,para a praia, para o campo, a montanha e VIVAM como se a morte seja um sopro de Deus.
NELY CYRYNO – Membra da ARE – Academia Ribeirãopretana de Letras