DATAÍSMO: A RELIGIÃO DO FUTURO?
“Descobrir os próximos passos da evolução humana será também redescobrir quem fomo e que caminhos tomamos para chegar até aqui”.
O livro Homo Deus- uma breve história do amanhã, de Yuval Noah Harari, — nesses dias de dúvidas e inseguranças quanto ao nosso futuro e o futuro do país — abala as crenças de seus leitores caso não tenham elas a resiliência intelectual necessária para conhecer e digerir os novos conceitos nele encontrados.
Concordo com a opinião do Financial Times quando diz que é impossível resumir esse livro emocionante e revelador, mas vou tentar.
Para o futuro do mundo — afirma o autor — numa visão realmente ampla da vida, temos que concordar com a existência de três processos interconectados;
1. A ciência está convergindo para um dogma que abrange tudo e que diz que organismos são algoritmos, e a vida, processamento de dados.
2. A inteligência está se desacoplando da consciência.
3. Algoritmos não conscientes mas altamente inteligentes poderão, em breve, nos conhecer melhor do que nós mesmos.
Diante da inexorabilidade desses três processos, ele conclui: “É improvável que as novas religiões emerjam das cavernas do Afeganistão ou das madraças do Oriente Médio. Vão, sim, emergir dos laboratórios de pesquisa. Assim como o socialismo tomou conta do mundo com promessa de salvação por meio do vapor e da eletricidade, nas próximas décadas as novas tecnoreligiões poderão conquistar o mundo prometendo salvação por meio de algoritmos e genes”.
Uma possível nova religião, ou tecnoreligião, será o dataísmo:”O dataísmo não se limita a profecias ociosas. Como toda religião, tem, seus mandamentos práticos. Primeiro e preliminarmente, um dataísta tem de maximizar o fluxo de dados conectando-se cada vez mais mídias, produzindo e consumindo mais e mais informação. Como outras religiões bem-sucedidas, o dataismo também é missionário. Seu segundo mandamento é conectar tudo ao sistema, inclusive hereges que não querem ser conectados. E ‘tudo’ que dizer mais do que humanos. Quer dizer tudo quanto é coisa. Meu corpo, é claro, mas também os carros na rua, as geladeiras na cozinha, as galinhas em suas gaiolas e as árvores na floresta V tudo deveria se conectar à internet de todas as coisas. A geladeira vai monitorar o número de ovos na gaveta e informar a galinha na gaiola quando uma nova entrega for necessária. Os carros vão conversar uns com os outros, e as árvores na floresta vão informar sobre o clima e os níveis de dióxido de carbono. Não podemos deixar nenhuma parte do Universo desconectada da grande rede da vida. Inversamente, o maior dos pecados é bloquear o fluxo de dados. O que é a morte senão uma situação na qual as informações não fluem? Por isso o dataísmo sustenta que a liberdade de informação é o maior bem de todos”.
Eis aí a importância, já hoje, da tão desejada transparência: “Por que os Estados Unidos cresceram mais rapidamente do que a União Soviética? Porque a informação fluía mais livremente no Estados Unidos. Por que os americanos são mais saudáveis, mais ricos e mais felizes do que os iranianos ou os nigerianos? Graças à liberdade de informação. Assim, se quisermos criar um mundo melhor, a chave para isso é deixar os dados livres”.
Quanto ao instigante título do livro, ele é justificado pelo seguinte: “O sucesso alimenta a ambição, e nossas conquistas recentes estão impelindo o gênero humano a estabelecer objetivos ainda mais ousados. Depois de assegurar níveis sem precedentes de prosperidade, saúde e harmonia, e considerando tanto nossa história pregressa como nossos valores atuais, as próximas metas da humanidade serão provavelmente a imortalidade, a felicidade e a divindade. Reduzimos a mortalidade por inanição, a doença e a violência; objetivaremos agora superar a velhice e mesmo a morte. Salvamos pessoas da miséria abjeta; temos agora de fazê-las positivamente felizes. Tendo elevado a humanidade acima do nível bestial da luta pela sobrevivência, nosso propósito será fazer dos humanos deuses e transformar o Homo sapiens em Homo deus”.
E o autor termina propondo três questões-chave que ele espera que fiquem gravadas na mente do leitor muito depois dele ter terminado a leitura desse seu livro:
1. Será que os organismos são apenas algoritmos, e a vida apenas processamento de dados?
2. O que é mais valioso — a inteligência ou a consciência?
3. O que vai acontecer à sociedade, aos políticos e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que conhecemos?
Homo Deus é um livro brilhante sobre a história da humanidade e, da mesma forma que Henning Mankell: “ Fico triste em pensar nas pessoas que não vão lê-lo”.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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