LI E GOSTEI: PERDAS & GANHOS

COM LYA LUFT NO CLUBE DE REGATAS

“A vida tem de ser sorvida não como uma taça que se esvazia, mas que se renova a cada gole bebido”.

Lya Luft

Depois de acatar a sugestão de meu amigo/irmão, o escritor Waldomiro Peixoto, para que eu conhecesse a escritora Lya Luft, abri as páginas de Perdas & Ganhos, e aceitei, de imediato, o convite da autora, feito no início do seu livro: “Vem refletir comigo, vem me ajudar a indagar”.
Sob um céu de brigadeiro, numa manhã de outono, prenunciando o inverno de nossas vidas — temos ambos em torno de setenta verões — escolhi uma mesa com quatro cadeiras: para Lya, eu e nossas respectivas consciências.
Foi um momento especial do meu final de semana, junto às piscinas do Clube de Regatas, durante o qual começamos a procurar um tom para nossa conversa — ao som do conjunto musical Classe A, e ouvindo A cura, de Lulu Santos — e nos indagarmos sobre nossas vidas: “reunimo-nos para refletir, transgredir a ordem do superficial”.
“Existirá, em todo porto tremulará / A velha bandeira da vida…”.
Conversamos por longas cento e cinquenta e seis páginas: afinal de contas acreditamos, ela e eu, que a utopia é o terreno de nossa liberdade.
Falamos sobre responsabilidade familiar, relações humanas, perdas e ganhos na maturidade, teoria da alma, esperança, velhice, luto e renascimento, tempo de viver, filhos — ter filhos é ser gravemente responsável.
Nós nos lembramos de encontros que tivemos com a Indesejada das gentes, quando Lya me disse: “Conheço um pouco a Senhora Morte. Duas vezes a Bela Dona me pegou duro, me cuspiu na cara, me jogou no chão. Foi-se a cada vez um pedaço importante de mim. Mas como em certos animais, as partes perdidas se refizeram, diferentes — não me sinto mutilada, embora a cada dia sinta em mim aqueles espaços vazios que não voltarão a ser ocupados”.
E eu contei a ela que senti, e sinto a mesma coisa, depois que vi, perto do meu filho Rod, essa Senhora indesejada.
Não discutimos, apesar de divergirmos em alguns pontos, porque acreditamos que temos que “superar o confortável espírito de rebanho; formar e sustentar opiniões próprias. Não vender a alma a qualquer preço por qualquer companhia, mas selecionar os amados eleitos, os amigos leais, os mestres e modelos sensatos”.
Concordamos em que, se não formos demasiado tolos, gostaremos de nossa aparência em todos os estágios. Olhar-se no espelho e dizer ‘Bom, essa sou eu’. Nem extraordinariamente conservada nem excessivamente destruída. Estou como se está nesta fase. E se eu sou assim, gosto de mim — sou minha história”.
Foi muito bom tomar um chopinho gelado e beliscar petiscos feitos na hora, e rir de nossas histórias, mesmo as mais tristes, com bom-humor: “O bom-humor é uma qualidade atraente e uma atitude sábia”.
Conversamos sobre nossos doentes, sobre crianças mimadas, enfim, sobre a tirania dos fracos: “Algumas pessoas, envelhecendo, se tornam insuportavelmente exigentes, lamuriosas, difíceis de conviver. Apegadas a um passado com bens, presenças, aparência e atividades que não podem mais ter, não se conformam” — comentei sobre meus pais, idosos com mais de oitenta anos.
Nessas horas/páginas que passamos juntos falamos “da passagem do tempo que aparentemente tudo leva e tudo devolve como as marés, mas que só nos afoga na medida em que permitimos. Falamos do tempo que faz nascer e brotar, porém é visto como ameaça e sofrimento V o tempo que precisa ser domesticado para não nos aniquilar. Falamos de perdas e ganhos que dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história”.
Saí da conversa após nos despedirmos com um forte abraço fraterno, e saudarmos — com um último gole em nossas caipiroscas— o “poderoso ciclo da existência”, convicto da importância da “permanente reinvenção de nós mesmos”.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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