LI E GOSTEI: PARA ENTENDER UMA FOTOGRAFIA

CAPA PARA ENTENDER UMA FOTOGRAFIAEPITAFIO-CARTIER

UM DEMÔNIO QUE NASCEU EM MIM: O AMOR PELA FOTOGRAFIA

“Em cada ato de olhar há a expectativa de um significado”.

John Berger

Desde o momento em que conheci Elza e João Rossato, e a fotografia, passei a desenvolver em mim o hábito de olhar em volta o tempo todo, a viver num habitual estado de alerta…um demônio nasceu: o amor pela fotografia.
Algum tempo atrás encantei-me ao ler “A Câmara Clara”, o último livro de Roland Barthes, publicado poucos dias antes de sua morte, em março de 1980, vítima de um atropelamento.
Agora, via Instagram, no Cia das Letras, tomei conhecimento do lançamento do livro “Para entender uma fotografia”, de John Berger: e não sosseguei enquanto não o comprei e li numa tacada só.
Segundo Thyago Nogueira, na orelha do livro somos informados de que: “Na constelação de interesses de Berger a fotografia reluziu com destaque, como revelam os ensaios deste livro. No primeiro deles, de 1967, o autor analisa a foto do cadáver de Che Guevara — comparando-a às pinturas de Rembrandt e de Mantegna — e mostra como sua divulgação foi usada para ameaçar os que pretendiam propagar ideias revolucionárias.
A formação em desenho fez de Berger um sujeito hábil em captar a aparência dos objetos, talento associado à vocação de escritor, ao engajamento político marxista e ao raciocínio dedutivo. Em quase quarenta anos de dedicação apaixonada, ele homenageia fotógrafos de cabeceira — Catier-Bresson, André Kertész, Sebastião Salgado —, relê criticamente a obra de Susan Sontag e enfrenta o dilema que ronda a veiculação de imagens de violência. O ensaísta distingue tempo e história e expõe o fracasso da utopia positivista, da qual a fotografia fez parte. Em “Aparências”, mostra como a ambiguidade reside na descontinuidade entre o instante fotografado e o momento em que a imagem é observada.
Berger se vale da literatura, da filosofia, da psicanálise e da metafísica para mostrar que devemos investir sem cerimônia sobre as imagens. Também enfrenta questões sobre as quais outros críticos tergiversaram: qual é a linguagem específica da fotografia? É uma arte?
A importância deste livro pode ser resumida num trecho do ensaio que lhe dá título: “Toda fotografia é de fato um meio de testar, confirmar e construir uma visão total da realidade. Daí o papel crucial na luta ideológica. Daí a necessidade de compreendermos uma arma que podemos usar e que pode ser usada contra nós”.
Como tenho feito trabalhos junto ao Grupo Amigos da Fotografia de Ribeirão Preto — já publicamos seis livros com fotos e textos poéticos — gostei de ver no prefácio de Geoff Dyer: “ Rejeitando o que Berger considera uma espécie de “tautologia”, palavras e imagens coexistem, ao contrário, numa relação de integração, mutuamente incrementadora. Um novo formato estava sendo forjado e refinado”.
Em meus textos poéticos tento, como diz Sebastião Salgado, “…expressar em palavras aquilo que vejo”.
Ler “Para entender fotografia” foi para mim uma experiência muito agradável, foi como estar com minha D70 ao lado de John Heartfield e suas fotomontagens, com Donald McCullin no Vietnã, com August Sander e seu projeto em Colônia, com Paul Strand e sua abordagem social da realidade, com Susan Sontag e o deus do capitalismo monopolista, com Markéta Luskacová e seus peregrinos, com W. Eugene Smith e suas “cruzes” , com Chris Killip e suas metáforas, com Nick Waplington e a intimidade de suas salas de estar, com André Kertész e suas imagens indescritíveis em palavras, com Martine Franck e suas transgressões, com Jean Mohr e o demônio que nasceu nele, com Sebastião Salgado e sua esperança de encontrar uma forma de mudar o mundo, com Moyra Peralta e sua relação com os sem-teto, com Cartier-Bresson fotografando o aparentemente invisível, , com Marc Trivier e suas fotos das esculturas de Giacometti, com Jitka Hanzlová e suas florestas, com Ahlam Shibli e os rastreadores de Israel.
Enfim, em geral, quando gosto muito de um livro, publico sua capa em meu site, mas desta vez vou publicar uma foto de Bresson que, segundo Berger, poderia ser seu epitáfio: uma foto que ele tirou no México em 1963 que mostra uma menininha numa rua deserta levando consigo um daguerreotipo emoldurado de uma mulher bela e serena que tem quase o tamanho da criança. Ambas estão prestes a desaparecer atrás de uma cerca alta. O último segundo de visibilidade, mas não para a serenidade da mulher ou da pressa da menina.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com.
www.tortoro.com.br

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