ESTUDO COM OBJETIVOS TRANSCENDENTAIS
Aos 75 anos, seu Antônio voltou a estudar. Professor aposentado de Matemática, com a fala mansa e os olhos cheios de histórias, matriculou-se em um curso da Uninter, à distância, de pós-graduação em Psicopedagogia. Queria atualizar e aprofundar o seu entender sobre as raízes do aprender, e também do não aprender — coisa que vira a vida inteira.
Nas primeiras semanas, seu caderno se enchia de anotações. Sentia-se vivo, desafiado, como nos tempos de quadro negro e giz. Mas, ao fim do primeiro módulo, veio a inquietação:
— E agora? O que faço com isso tudo?
Não tinha mais sala de aula, nem alunos, nem plantões pedagógicos. O saber se acumulava sem destino, como chuva em telhado sem calha. Sentia-se inútil, quase tolo. Refletiu sobre a situação noites inteiras, em silêncio.
Certa manhã, olhando para o espelho enquanto escovava os poucos fios de cabelo, algo brilhou em seus olhos cansados. Pensou:
— E se esse conhecimento não for para esta vida apenas?
Começou a fantasiar que, ao morrer, levaria consigo esse saber recém-descoberto. Talvez, na próxima encarnação, fosse uma criança curiosa, ou um mestre em outra cultura, ou até um orientador de almas no entreplanos. E ali, naquele outro tempo, faria bom uso de tudo isso. Quem sabe ajudaria espíritos a superar seus bloqueios de aprendizagem antes mesmo de nascerem?
Riu de si mesmo — mas era um riso doce, cheio de paz. Terminou o curso com devoção, não por utilidade prática, mas como quem planta uma árvore mesmo sem ter tempo de vê-la dar sombra.
No fim, entendeu: estudar, para ele, era um gesto de fé.
Fé de que todo conhecimento tem destino. Mesmo que seja em outra dimensão.
E foi assim que adormeceu, diante da tela do monitor de seu computador, após a última aula do curso.
Antônio adormeceu iluminado pela claridade do monitor, e acordou flutuando em uma sala feita inteiramente de giz. Um Mestre Cósmico, vestindo jaleco, entregou-lhe um diploma em forma de origami e disse: “Parabéns, Professor Antônio, agora o senhor está oficialmente autorizado a usar seus conhecimentos em educação, nas nuvens!”
Sem entender nada, mas com o coração leve, ele montou num dicionário voador e partiu em missão: ensinar a diferença entre vogais e vogais tímidas às estrelas da constelação de Sagitário, que até então só sabiam falar em código Morse.
Desde então, dizem que quando um idoso estuda com brilho nos olhos, nasce uma escola invisível no Plano das Ideias Recicladas, onde unicórnios psicopedagogos e bibliotecas saltitantes agradecem em silêncio.
E seu Antônio? Ah, ele ainda ensina — agora, às partículas de poeira cósmica que têm dificuldade de concentração.
Afinal, até o Universo precisa de reforço escolar.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-presidente da ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras
www.tortoro.com.br
[email protected]