LI E GOSTEI: MÉDICO DE HOMENS E DE ALMAS

ROMA E BRASÍLIA: NADA MUDOU

“Quando o ser humano perde sua dignidade como homem, já não é mais homem”
Lucano

Nas 700 páginas do livro de Taylor Caldwell, Médico de Homens e de Almas, em uma carta de Diodoro para Lucano, o tribuno dizia para o filho adotivo:
“Nossos senadores preferem a serenidade ao pensamento, empoladas conversas sobre seus interesses particulares às sérias reflexões sobre o estado de nosso país. Gostam de sentar-se em seus terraços, pelas tardes, com um copo de vinho nas mãos, discutindo com os amigos as campanhas de algum militar em evidência, fazendo comentários eruditos de desaprovação. Preparam diagramas de campanhas, sem saberem nada da vida em tendas, nos lugares selvagens, das longas e ardentes caminhadas, das lutas com os bárbaros. São legisladores, dizem. Enquanto não se dirigem a seus companheiros senadores a propósito dos banhos públicos, de mais circos e de mais habitações gratuitas para a multidão heterogênea de Roma, e mais comida gratuita para a turma que detesta o trabalho, vigiam furtivamente negócios tais como confecção de uniformes e de armas para os militares, fábricas de cobertores e de tecidos, ou ajudam a dar subsídios a parentes que estão em tais negócios, quando não atiram os contratos do governo em sua direção. Não conheço um senador cujas mãos não estejam enlameadas de suborno ou mesmo que não tenha recebido um suborno. O senado tornou-se uma organização fechada de canalhas que saqueiam o Tesouro em nome do bem estar geral, e que têm como séquito uma população de barrigas esfaimadas e ladrões ávidos, a que dão o nome de clientes, e pelos quais exibem a mais comovedora solicitude. O destino de Roma, o destino dos contribuintes desesperados, nada é para eles. Que a dívida cresça. Que a classe média seja esmagada até morrer sob taxas, extorsões e explorações. Um homem honesto, um homem que trabalha e honra a cidade de Roma e a Constituição da República não é apenas um tolo. É um indivíduo suspeito. Manda-lhe o coletor de taxas para novos assaltos. Provavelmente ele está pagando sua “justa” cota de impostos”.
Eu me senti em casa: foi só trocar Roma por Brasília na carta de Diodoro.
Também andei com Lucano, nosso conhecido São Lucas, pela Antioquia, a da Síria, e Alexandria — onde conheci com ele a famosa Universidade local, incendiada mais tarde pelo imperador Justiniano — pela Grécia e pela Terra Santa.
Presenciei os milagres que o médico de homens e de almas realizou enquanto exercia sua medicina rudimentar mas eficiente. Estive com ele no suntuoso palácio de Tibério César — de quem recebeu um anel especial e que lhe dava a autoridade de um César — e na casa de Maria, mãe de Jesus, após a morte Dele. Vi a revolta da pequena ilha de Creta contra Roma, e corpos de jovens, homens, mulheres e crianças empilhados pelas ruas, aos montes, e escravizados, vendidos, e que estiveram sozinhos, como todos os homens que lutam pela liberdade estão sozinhos. Naveguei em galés que transportavam escravos e deploráveis condições, andei de biga pelas ruas de Jerusalém escoltado por guardas romanos.
Ao entrar na Gelileia, e conviver com seu povo, conheci vilarejos e pequenas casas brancas, rodeadas de reduzidos jardins férteis e de granjas, tendo, para além, montanhas de um negro especial. Passei por Tiberíades, a cidadezinha construída por Herodes Antipas em honra a Tibério, amaldiçoada e evitada por judeus.
Estando com Lucas — diminutivo de Lucano — mesmo bem longe de Belém e Jerusalém, vi a estrela que conduziu os Reis Magos até a manjedoura e me assustei com a escuridão que tomou conta da Terra no momento da morte de Jesus Cristo, na cruz.
Enfim, sabemos que a Bíblia apresenta São Lucas como o médico de coração generoso, bem instruído e autor de um dos evangelhos e do Livro de Atos. Lendas antigas o descrevem como uma pessoa fora do comum, a quem são atribuídos milagres e prodígios antes mesmo de sua conversão ao cristianismo.
Em Médico de Homens e de Almas, Taylor Caldwell combina estas duas imagens de um dos mais importantes da igreja cristã primitiva, caracterizado pela constante preocupação com o sofrimento de enfermos, oprimidos e pobres. A autora pesquisou a vida e as obras de Lucas durante anos, e as descreve de forma romanceada num livro rico em detalhes históricos e de narrativa emocionante, em que a presença de Jesus/Deus é uma constante…e que vale a pena ser lido…apesar de os homens em quase nada terem mudado desde então.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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