LI E GOSTEI: NÊMESIS

NÊMESIS X SABIN

“Quanto a Deus, era fácil pensar bem d’Ele num paraíso como Indian Hill. Outra coisa era fazê-lo em Newark, na Europa ou no Pacífico no verão de 1944”.

Nêmesis é uma deusa grega, personificação da vingança mas, é também, o título do livro de Philip Roth: um livro para ser lido por todos os pais de crianças recém-nascidas até cinco anos incompletos.
Na cultura anglo-saxã moderna o termo assumiu o significado de “inimigo” ou o pior inimigo de uma pessoa: e é com esse significado que Roth fala sobre um surto de poliomielite no verão de 1944 e seu efeito sobre uma comunidade de Nova Jersey , Newark, ligada por fortes vínculos culturais e valores familiares.
A figura central de Nêmesis é Bucky Cantor (Eugene) : um jovem de 23 anos, vigoroso, atleta dedicado, que é responsável pelo pátio de recreio de uma escola e nutre profunda devoção por seus pupilos, mas vive com a decepção de não poder lutar na guerra ao lado de seus contemporâneos devido a uma forte miopia. À medida que a pólio começa a devastar o grupo de crianças que freqüenta o pátio, não resta opção a Cantor senão absorver a realidade chocante que o cerca, com  toda sua carga de terror, raiva, Pânico, sofrimento e dor.
Movendo-se entre as ruas escaldantes de Newark e uma colônia de férias para crianças no alto das montanhas Pocono, Indian Hill  — com seu ar fresco “purificado de todos os germes nocivos” — , Nêmesis retrata um homem decente e com boas intenções que se vê engajado em uma guerra particular contra perdas devastadoras. Roth registra com precisão e ternura os estados emocionais típicos da infância, assim como cada passo de Cantor ( que ama Márcia Steinberg ao som de I’ll be seeing you com Billie Holiday ) rumo à tragédia pessoal.
Ao longo da história (contada por Arnold Mesnikoff, amigo de Cantor) perpassa a questão sinistra: quais escolhas definem fatalmente uma vida ? Quão impotentes ficamos diante da força das circunstâncias?
Quem há pouco, aqui em Ribeirão Preto, trabalhando em um colégio de crianças e jovens,  viveu o sufoco provocado pela H1N1, pode muito bem imaginar o clima criado pela terrível poliomielite “ao calor asfixiante de Newark”, por uma epidemia terrível que ameaçava as crianças da cidade com a paralisia e a invalidez permanente, quando não com a própria morte, nos idos da Segunda Guerra Mundial.
Nos jornais, hoje, em pleno século XXI, a batalha  da vacina de Sabin contra a pólio continua mostrando que não podemos vacilar diante dessa ameaça tão terrível que continua matando no Afeganistão, Nigéria e Paquistão: no Brasil o último caso de pólio foi registrado em 1989, na Paraíba.
Graças a Albert Sabin ( faleceu de ataque cardíaco, aos 86 anos, em sua casa em Washington, em 1993 ) a partir de 1961, sua vacina, preparada com o vírus atenuado da pólio ( desde 1955 a vacina de Salk, Jonas Salk, desenvolvida com vírus “inativado ou morto” era eficaz na prevenção da maioria das complicações da pólio, mas não prevenia a infecção inicial de acontecer) , poderia ser tomada oralmente, e prevenia a contração da moléstia: e Sabin renunciou aos direitos de patente da vacina que criou, facilitando a difusão da mesma e permitindo que crianças de todo o mundo fossem imunizadas contra a poliomielite, que é mais conhecida como paralisia infantil aqui no Brasil.
Assim como o protagonista de Nêmesis, Sabin  — “Correndo com o dardo acima da cabeça, esticando o braço do arremesso para trás do corpo, trazendo-o à frente para solta o dardo bem acima do ombro e enfim o impelindo num gesto explosivo” — nos parece a própria imagem da invencibilidade.
 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO70_11941-1

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