CINDERELA DO ANCHIETA

CINDERELA“Quem não vive para servir, não serve para viver”

Mahatma Gandhi

Era uma vez um pé disforme.
Um pé metido numa sandália havaiana que passava por mim a todo instante: nos corredores, no pátio, nas salas de aula vazias, enfim, nos múltiplos ambientes diariamente sujeitos à limpeza nas dependências do Colégio Anchieta.
A dona dos pés: uma jovem humilde, tímida, portadora de uma beleza natural, inocente até.
Uma Cinderela às avessas: seus pés não calçariam nunca um sapatinho de cristal.
Não sou Horácio ( leão da rua do Ouvidor) e nem Leopoldo ( pouco favorecido e respeitado de beleza) , e a futura gazela não se chama Amélia (mulher bela e rica) , personagens de José de Alencar : A Pata da Gazela, considerada “A Cinderela da literatura brasileira” narra em terceira pessoa um romance vivido na alta roda carioca, repetindo a velha fórmula do triângulo amoroso.
No caso, nossa história não ocorreu — muito pelo contrário —, em altas rodas, mas existiu sim um triângulo amoroso fraternal: a jovem Juliana, um vereador amigo, Rodrigo Simões, e um sujeito que não pode ver ninguém precisando de ajuda: eu.
O cenário foram os hospitais públicos: municipal e estadual.
Em nível municipal, entrei em contato com Assistência Social, Secretaria da Saúde, Santa Casa, postos de saúde. E a solução foi, simplesmente, cortar o dedo disforme de nossa Cinderela tendo em vista não existir, no município, a cirurgia plástica para pessoas carentes — como se cirurgias reparadoras fossem um luxo, e não um serviço prestado com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Como eu não estava em busca de um açougueiro , mas de um cirurgião plástico, pedi ajuda, não aos universitários, mas ao meu amigo/irmão vereador.
Foi então que em nível estadual a coisa funcionou.
Foram marcadas consultas, esclarecidas as fases das diversas cirurgias a serem realizadas, e marcado o dia em que o pé aleijão deixaria de sê-lo.
Enfim, um tratamento humano para um caso em que a paciente não tinha condições financeiras de arcar com os gastos exigidos dados os complexos procedimentos requeridos pelo quadro apresentado.
Afastada do trabalho por dias, mas mantendo o emprego — graças ao apoio e compreensão da diretora e mantenedor do Colégio — nossa Cinderela já está de volta, calçando um tênis — e não uma delicada botina acostumada a pisar carruagens —, de retorno à rotina normal de qualquer jovem trabalhadora, ocorrência antes impensável.
Outras cirurgias virão.
A Cinderela do Anchieta nunca terá os pés divinos, com as unhas rosadas da personagem de José de Alencar: mas seus pés não mais chamarão a atenção de quem quer que seja, devido às suas deformidades.
O serviço público municipal de saúde foi esmagado pela pata de uma gazela e pela vontade de servir, sem medir esforços, de irmãos unidos em nome de causas humanitárias permitindo assim transformações que só o amor desinteressado pelo próximo pode realizar.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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