Era um belo dia de meados de julho de dois mil e dezesseis: vésperas da Olimpíada do Brasil, a primeira Olimpíada a ser realizada na América do Sul.
A Tocha Olímpica já havia passado por Ribeirão Preto rumo ao Rio de Janeiro.
A temperatura girava em torno de sete graus: um dia claro, frio, seco e com ventos de inverno, e já passávamos das sete horas da manhã.
Rod , meu filho, e eu, fomos recebidos na recepção do CAON – Centro Avançado de Oncologia ainda decorado com bandeirolas coloridas de uma festa junina.
Entreguei o Cartão de Identificação e Rod foi pesado — pouco mais de cinquenta quilos, apesar de seu um metro e setenta —, pressão medida — 10×6 que passou a 11×6 após seis horas de nossa Olimpíada particular —, mediu a temperatura — que ficou entre 36.9, na chegada e 36.1 na saída — e recebeu uma pulseira branca, a senha para a largada na prova.
Na tela da TV a Tocha acabava de passar por Sertãozinho.
Tomamos lugar em nossos “aparelhos” — poltronas confortáveis — de “provas”, ao lado da bomba de infusão da SAMTRONIC.
Logo Deusas Olímpicas, com vestes brancas e azuis, pacientemente nos cercaram, e nos cobriram, durante todo o tempo da “prova”, de atenção, paciência, carinho, respeito.
Não eram Afrodites, Heras, Atenas: eram Fernanda, Sonia, Patrícia, Paula.
Sonia colocou no braço de Rod o equipamento — cateteres agulhados, torneirinha e flexíveis — que ficaria encarregado de jogar o conteúdo das diversas bolsas para o interior daquele Templo de Deus de trinta e três anos — que não era um deuses gregos —, de gorro cinza, camiseta vermelha, tênis e abrigo e que, de olhos fechados, movimentava a cabeça de um lado para outro, mexia as pernas impacientemente, espreguiçava-se, e, vez ou outra, viajava o olhar pela sala silenciosa: silêncio quebrado somente pelo burburinho de conversas paralelas e o som da TV.
A primeira parte da “prova” foi de preparação: receber, sem reclamação, durante vinte e cinco minutos, uma dose (bolsa) do antialérgico Decadron, outra, durante vinte minutos, de Zofran, para evitar enjoo, e mais uma de soro, durante sessenta e cinco minutos, para hidratação.
Rod já estava preparado para enfrentar os desafios e os futuros efeitos colaterais da sua terceira sessão de quimioterapia.
O público presente eram mais onze atletas — poucos jovens, adultos de meia idade e idosos, homens e mulheres, uma delas de lenço na cabeça — participantes dessa Olimpíada Particular de cada um, acompanhados de seus, digamos, assessores. Uns dormiam, outros usavam seus celulares, alguns olhavam simplesmente para o nada, apesar de, na TV, Ana Maria Braga, no seu programa Mais Você, receber seus convidados numa cozinha…também todos de branco.
Nesse interim, um dos juízes de “provas” visitou seus atletas: o cioso e competente oncologista, Dr Pedro Thomé.
E teve início a primeira parte do desafio maior: enfrentar, sem poder se movimentar, durante quinze minutos, o ataque vindo de uma bolsa alaranjada com Epirrubicina – farmorrubicina, vesicante/fotossensível: anunciava o “uniforme” desse terrível adversário a ser enfrentado.
E chega o momento da segunda etapa da “prova” principal, após dez minutos de uma lavagem das veias com soro e a aplicação de uma bolsa protetora de Mesna — vinte minutos — para evitar sangramentos na bexiga: o ataque da Ifosfamida – Holoxane, uma adversária terrível que não sabemos se irá salvar ou destruir seu oponente.
A bomba de infusão é programada e acionada por Patrícia…e só vai parar após longos cento e vinte minutos de prova: depois de um longo apito.
Na TV a Tocha aparece em Bebedouro no programa EPTV Cidade.
Durante esse tempo, que parece não passar nunca, em que ocorre a passagem do que apelidei de Trem da Duas Horas, fico ao lado do meu atleta/guerreiro lendo, por ironia do destino, o livro Uma Vida Pequena, de Hanya Yanagihara, e trocando mensagens de whatsapp com minha querida Lu, mãe do Rod. É uma jornada lenta, de quase seis horas. Todos os atletas — e seus acompanhantes — dessa Olimpíada Particular, como acontecia com os primeiros atletas olímpicos, estão nus… e sangram, como na canção How Can I Go On, com Freddie Mercury e Montserrat Caballe.
Enfim, as “provas” terminam.
Na sala com tudo muito branco, tudo muito limpo, assepsia perfeita, a luz generosa — misto de lâmpada fluorescente e luz solar do meio dia — ilumina os vencedores anônimos.
Rod , mais uma vez, recebe sua medalha de ouro pela coragem.
Lu recebe a sua, de prata, por dedicação total ao “esporte” de tentar salvar uma vida.
Eu fico com a de bronze… pelo dever cumprido.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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